Pietá – Santo Sossego

Gênero: MPB alternativa
Duração: 49 min
Faixas: 10
Produção: Jr. Tolstoi
Gravadora: Independente/Tratore

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

Há muito tempo não ouço algo que soe novo. Esta palavra é complicada, significa ineditismo, algo cronologicamente recente ou ambos. No caso do som praticado pela banda Pietá, há um pouco de ambos. Ao mesmo tempo em que há um aceno sincero e afetuoso a uma música nacional feita nos anos 1970/80, especialmente por cantores e compositores clássicos como Milton Nascimento, Gal Costa e Elis Regina, há também uma abordagem novíssima, teatral, com noção do que acontece em termos musicais no mundo. A impressão não pode ser melhor ao longo das dez faixas que compõem este belíssimo “Santo Sossego”, segundo disco do trio.

Formado por Frederico Demarca, Rafael Lorga e Juliana Linhares, a Pietá oferece esta visão política/pessoal do país, com os dois pés fincados no presente. Eles assumem isso e espalham sua visão política dos fatos nas questões que estão à nossa volta na sociedade, especialmente o feminismo, a luta por direitos de minorias e, num plano talvez mais próximo de um desejo de muitos, o resgate de uma ideia de país afetuoso e plural, que parece soterrada pelos acontecimentos recentes. As letras são mensagens diretas, porém revestidas de metáforas e alegorias, que tornam a música delicada sem abdicar da força e do poder intrínsecos. E, antes que me esqueça, Juliana Linhares é uma das vozes mais absurdamente belas e fortes que ouço em muito tempo. Seu registro é amplo, vibrante, chega a lembrar Elis Regina quando voa alto nos momentos necessários. Uma cantora superlativa em meio a um projeto maravilhoso.

 

A ideia de “Santo Sossego” é trazer esse Brasil perdido dentro de nós. As canções são delicadamente arranjadas e executadas, trazendo uma alternância imperceptível entre elétrico e acústico, sempre com resultados sensacionais. Logo de cara, o ouvinte é levado a este mundo diferente, porém familiar, que é retratado com perfeição pela faixa que dá nome à banda. Um dedilhado de guitarra hipnótico vai conduzindo a melodia até que entra a voz fortíssima de Juliana, planando sobre a melodia e dizendo “aqueles homens, de manhã, negam o pão, de noite comem nossas vísceras”. O caminho está aberto para esta jornada por dentro de nós e do que costumávamos ter como certo.

 

As faixas sensacionais vão se sucedendo: “Suçuarana” fala da força da mulher com pujança e oportunidade, usando alegorias com o belo felino sobrevivendo em meio a uma selva de perigos. O Rio de Janeiro – ou o que restou dele – é cantado na linda “Oração Pro Rio”, na qual a cidade, o estado, a ideia, são abordados e lamentados por conta de tantas aviltações que sofridas nos últimos anos pelos mesmos homens que são cantados no primeiro verso do disco, os que negam o pão e comem nossas vísceras. Em “Jabaculê”, sinônimo de propina, corrupção, tramoia, a banda vai falando sinônimos para o termo enquanto ataca a má formação do caráter dos que estão no poder. “Mar de Sonhos”, “As Coisas”, Virará”, “Iara Ira” todas são faixas belíssimas, fortes, sensíveis, inacreditáveis para o Brasil de hoje.

 

Se a conjuntura da maioria gera a impressão que a cultura e a arte brasileiras estão sob ataque – e estão – a reação vem em discos como este “Santo Sossego”. É um trabalho necessário, indispensável nos dias que vivemos e adoravelmente composto. Coisa linda, finíssima.

 

Ouça primeiro: “Pietá”

 

Foto: Elisa Mendes

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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