The Bear volta menos sedutora, mas ainda instigante

 

 

Cada segundo importa. Passamos boa parte das duas primeiras temporadas de The Bear envoltos na tensão dessa sentença. Foi assim durante os brilhantes quarenta minutos ininterruptos de Review. Foi dessa maneira durante a marcante ceia de Natal dos Berzatto em Fishes. A agonia é contada pelos relógios no fundo de cada restaurante. O tempo é o inimigo na cozinha, e parece ser a razão do descompasso da mais recente temporada.

 

Mais melancólica que o normal, e talvez por isso menos excitante, a terceira temporada de The Bear soa como o preparo de um menu sofisticado: tudo se concentra em torno de algo maior, de algo que está por vir. Uma sensação curiosa que também faria sentido se aplicada à segunda e última temporada, na qual o estresse e os imprevistos de colocar uma lanchonete abaixo e reformar um restaurante do zero substituem o dia a dia exaustivo e agitado de uma cozinha falida e desajustada visto na primeira temporada. A diferença, porém, reside na escolha de onde e com quem investir tempo narrativo.

 

Na mais recente temporada, Carmy está distante. Aparece mais vulnerável, e por isso, agressivo e, em momentos, arrogante, após perder a namorada Claire e estragar a amizade com Richie por conta de suas dores mal resolvidas. Enquanto ele está dividido entre se desprender das suas armadilhas mentais e achar que merece estar preso nesse lugar hostil e severo que é a própria consciência, Sydney tenta cumprir a promessa de companheirismo que os dois firmaram.

 

O resultado é uma série de choques e desgastes – dentro e fora da narrativa. Se finalmente o novo restaurante abre as portas e coloca em prática o sonho compartilhado entre os irmãos Berzatto, o jeito controlador, megalomaníaco e inacessível de Carmy forja ali dentro um ambiente ironicamente autoritário. Novamente, as feridas de Carmy mancham o trabalho que um dia foi sua válvula de escape, mas agora é a matriz das suas maiores ansiedades. Não à toa, a série coloca Carmy numa busca nostálgica por esse porto seguro, uma decisão altamente acertada que dá o tom da temporada logo na entrada, no emocionante e silencioso episódio de abertura, Tomorrow.

 

Sydney, por outro lado, quer se firmar como profissional, explorar sua verve criativa e criar sua marca dentro da cozinha – com a aprovação e a parceria de Carmy, é claro. A sombra e o individualismo do chef, porém, freiam suas expectativas, assim como a sua figura inflexível se torna a fonte de seu desânimo e ataques de pânico – de maneira, de novo, altamente irônica, mas previsível. A sous-chef duvida se é melhor continuar onde está ou aceitar a proposta de organizar e comandar outra cozinha, onde sua opinião aparentemente será ouvida e considerada.

 

Desde o início, The Bear nunca fugiu das contradições inerentes ao ofício culinário e sempre se questionou, perante esse pano de fundo intenso, sobre a natureza da criatividade, da excelência, do comprometimento profissional e do que significa obter e construir um legado e viver sob as sombras dele. É decepcionante, por isso, que ao intensificar velhos comportamentos autodestrutivos de Carmy, e focar seus esforços em contemplá-los, a temporada se canse em repetições e perca a força ao permanecer estanque como seu protagonista.

 

A presença dos irmãos Fak e o uso deles como alívio cômico, por exemplo, é desinteressante, com piadas pouco espirituosas em frequentes cenas enfadonhas que, por esse motivo, sentimos ser longas demais. Ainda, são raros os momentos que chamam a atenção por seu estilo inovador e memorável, como os que consolidaram a série nas duas primeiras temporadas, tal qual Forks, que explora os dilemas e a solidão de Richie; e Honeydew, que segue Marcus durante seus meses como aprendiz em Copenhagen.

 

Dito isso, é quando se volta para seus personagens – além de Carmy – que a nova temporada ganha vida e fervor novamente. É quando se aproxima do luto de Marcus e da confeitaria que, para o pâtisserie, serve como um canal de lembrança da sua mãe. É quando rememora a história de Tina e como ela conseguiu seu emprego no antigo The Beef, num episódio com uma cena tocante com o falecido Mikey e dirigido pela talentosa Ayo Adeberi, nossa Sydney.

 

É especialmente quando nos mostra que a cozinha é um espaço de trabalho coletivo, de amor ao próximo, de construir junto para o outro, como Marcus e Tina conversando sobre se perder na preparação de um prato; e a festa improvisada após o jantar de aposentadoria da chef Terry – papel singelo e forte na mão de Olivia Colman. Sem o outro não existe a magia.

 

Apesar de uma temporada abaixo do potencial que sabemos que The Bear pode alcançar, episódios-chave como Ice Chips, no mesmo naipe do de Tina em Napkins, se destacam e deixam claros os conflitos de uma temporada que se debruça sobre ciclos. Fugir de uma relação materna tóxica e garantir um ambiente doméstico diferente para sua filha é o que aflige a irmã Berzatto, que entra em trabalho de parto e acaba recorrendo à última pessoa com quem gostaria de ser acompanhada ao hospital, sua mãe. A sós e emotivas, só as resta se entender, e, longe de esquecer os danos permanentes que o comportamento instável e narcisista da mãe gerou nela e nos irmãos, Natalie e Donna encontram o lado vulnerável uma da outra.

 

Diante de um clima emocionalmente tenso, e do peso de, por fim, trabalhar para conquistar um lugar na história da alta culinária, The Bear encerra sua temporada com uma promessa. O “continua” ao final parece ser a razão para uma temporada mais suspensa, pouco decidida em resolver suas tramas e conflitos. Pelo contrário, o destino é incerto. É difícil prever o que a tão esperada resenha do restaurante pode causar àquele ecossistema já a beira de um abismo financeiro; o que as próximas decisões de Carmy, Sydney e do mecenas Tio Jimmy podem significar para a parceria entre os dois e a sobrevivência.

 

A saída talvez esteja na janela escanteada dos fundos, onde Ebraheim continua alimentando os muitos fregueses fiéis que aparecem para comer o saboroso sanduíche de bife italiano do The Beef.

 

A terceira temporada de “”The Bear””, da FX, chegou em 17 de julho ao DisneyPlus.

 

 

Luiza Zauza

Luiza Zauza é graduanda em Jornalismo. Sempre em busca de encaixar sua devoção por Jorge Ben Jor e Tim Maia em alguma conversa. Aliás, já que estamos aqui: Leia o Livro Universo em Desencanto.

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