A eficiência pop de Foster The People
Foster The People – Paradise State Of Mind
44′, 11 faixas
(Atlantic)
Sempre que vou escrever algo a respeito de Foster The People, penso em como o tempo voa. Fiz a resenha do terceiro álbum deles, “Sacred Hearts Club” para o Monkeybuzz em 2017 e, naquele texto, mencionei a rapidez das coisas, uma vez que o hit “Pumped Up Kicks” completava então sete anos de existência. Pois bem, agora ele tem incríveis quatorze anos e ainda soa fresco e bacana. Falar do projeto do vocalista e multimúsico Mark Foster é lidar com música pop de alta qualidade, filtrada devidamente pelas lentes e aparadores indie vigentes. A abordagem é sempre bem feita, lembrando um pouco a habilidade de outro artesão do assobio, o também americano Gregg Alexander, responsável pelo New Radicals. Tanto ele quanto Foster têm a mão perfeita para confeccionar ótimas canções pop, brincar de gato e rato com estilos e detalhes de outros tempos e, mais que tudo, adicionar uma identidade própria a estas faixas, dando-lhes consistência, urgência e personalidade. Assim como nos outros três discos pregressos do FTP, “Paradise State Of Mind” ostenta uma coleção respeitável de boas canções perfeitinhas, dessa vez brincando de soar próximo da disco music. Senão vejamos.
Novamente voltando ao âmbito do tempo transcorrido, já se vão quatorze anos desde o primeiro álbum do FTP, “Torches”, que continha, além da adorável e grudenta “Pumped Up Kicks” (que beira os dois bilhões de streamings só no Spotify), outros hits aderentes como “Houdini”, “Helena Beat” e “Call It What You Want”. Todos eles mostravam a mesma fórmula – canções de estrutura pop convencional, atemporal, com ótimos refrãos, instrumental animadinho e um clima de verão a céu aberto. Essa abordagem acompanhou o segundo trabalho, “Supermodel” (2014), que mantinha a fórmula, mas modificava o tom das canções dando-lhes um tom mais de “sair pra night”, com ambiências mais voltadas para a pista de dança, caso específico da ótima “Coming Of Age” e a suingada “Best Friend”, ambas irresistíveis e muito bem feitas. Foi no terceiro trabalho, “Sacred Hearts Club” (2017), que o FTP se permitiu abrir mão das faixas meramente dançantes e abraçar um fiapo de conceito, no qual aprofundava o tom noturno do disco anterior, mas investia mais pesado em sonoridades dos anos 1980, new wave e pós-punk à frente, sem perder de vista a excelência pop. É desse disco a minha preferida de toda a lavra do grupo, “Static Space Lover”, que, pasme, leva o ouvinte a uma encruzilhada do melhor da Motown com alguns experimentalismos à la Beach Boys, tudo isso com cara de faixa de trilha sonora de filme de John Hughes.
É com este álbum que “Paradise State Of Mind” parece querer se comunicar mais. O clima segue noturno, dançante ao máximo, mas, o que era experimentalismo e oitentismo é substutuído por referências setentistas, especificamente disco, o que faz muito bem para este padrão pop já consolidado. Este trabalho, assim como os outros, tem a co-produção de Paul Epworth, sujeito que ficou famoso pilotando estúdios para Adele, Florence + The Machine, entre outros, e o primeiro a não ter a presença do baterista Mark Pontius, que estava no projeto desde o início. Também será o último a contar com a participação do guitarrista Sean Cimino, que deixou o FTP três meses antes do lançamento do álbum. Ainda que a roupagem instrumental e dos arranjos mire majoritariamente as influências da disco music, há espaço para seus desdobramentos nos anos 1980, especialmente para a música de gente como Prince, que, de uma forma própria, evoluiu muito da ideia de black music em paralelo à disco, ajudando a criar o que se chamou de eletrofunk, praticado por ele, Rick James e algumas bandas da época, como o Parliament em alguns álbuns. Há uma ótima faixa aqui, “Feed Me”, que soa como um genuíno tributo à sonoridade do Anão Púrpura de Minneapolis.
Dentro do contexto das treze canções, apenas esta e a experimental “Glitchzig” (que tem elementos techno à la Kraftwerk) estão fora da ideia de que estamos ouvindo um álbum que revisita fraseados e detalhes da disco music. Em “Lost In Space”, primeiro single do trabalho, temos uma adorável linha de baixo sintética se misturando a guitarrinhas em chacundum e cordas megalomaníacas. De alguma forma lembra a fase mais dançante da Electric Light Orchestra. “Take Me Back” já avança um pouco para o início dos anos 1980, mas conserva a linha gorducha de baixo e os teclados, com o instrumental tentando soar parecido com alguma produção de Grace Jones no período ou algo no gênero. “The Holy Shangri-La” é mais complexa, lenta e com possibilidades a oferecer, enquanto “Sometimes I Wanna Be Bad” revisita o pop disco surgido na esteira do grande ápice do estilo. “Chasing Low Vibrations” também vai por este caminho e certamente soaria melhor se tivesse uma produção mais caprichada e ampla. “A Diamond To Be Born” é outro aceno ao cânon da ELO em seu momento disco party.
“Paradise State Of Mind” é um disco bacana e coeso. Vai encantar a quem já conhece a competência de Foster e sua turma, bem como aos que perseguem exemplos atuais de bom pop, capaz de soar moderno e revisionista ao mesmo tempo. São quarenta e poucos minutos de boas canções, o que, dependendo do caso, é tudo o que você pode precisar.
Ouça primeiro: “Take Me Back”, “Lost In Space”, “The Holy Shangri-la”, “Feed Me”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.