Jack White ressurge com disco sem título

 

 

 

 

 

Jack White – No Name
42′, 14 faixas
(Third Man)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

Coisas do comércio de discos: quem esteve nas filiais da Third Man Records, loja-gravadora-selo de Jack White, nas cidades de Londres, Nashville e Detroit, ganhou, na última sexta-feira, dia 19 de julho, um álbum grátis. Sem indicação na capa ou no selo, o vinil trazia nada menos que quatorze canções inéditas do patrão. “Tudo bem, deve ser alguma coisa meia boca” – alguém poderia pensar, mas não. Trata-se de uma sucessão de porradas enguitarradas na melhor tradição dos primeiros discos dos White Stripes. Estão de fora, portanto, as facetas que White quis imprimir em seu trabalho solo, materializado em cinco álbuns, a saber, “Blunderbuss” (2012), “Lazaretto” (2014), “Boarding House Ranch” (2018), “Fear Of The Dawn” (2022) e “Entering Heaven Alive” (2023). Tampouco são detectáveis influências de projetos paralelos como Raconteurs e Dead Weather ou as experiências do último trabalho dos White Stripes, “Icky Thump”, de 2007. O que temos aqui são as canções incandescentes que o sujeito fazia no início dos tempos, em que misturava referências blues com o peso zepelliniano sob uma ótica garagista. E essa é a melhor faceta que White tem para apresentar.

 

As razões que levaram Jack White a lançar seu sexto álbum solo de maneira tão inesperada são um mistério. “No Name” agradará tanto os fãs mais obsessivos quanto aqueles que simplesmente apreciam a música de Jack White: os completistas terão mais um item raríssimo para sua coleção, enquanto os demais poderão curtir 13 novas canções sem precisar assinar serviços de streaming. É como se White retornasse à essência de sua arte, após as experimentações mais grandiosas dos últimos anos. E embora essas incursões barrocas tenham gerado resultados valiosos, é nos fundamentos do rock’n’roll explorados aqui que reside seu verdadeiro gênio. Em poucas palavras, “No Name” é um álbum de rock – e dos bons. Soa mais White Stripes do que qualquer coisa que White gravou desde o fim da banda – suas faixas são impulsionadas pelo blues, com sua guitarra lembrando uma mistura de Howlin’ Wolf e Jimmy Page, alternando riffs brutos e solos de slide. Os arranjos são reduzidos ao essencial. A bateria muitas vezes evoca a primitiva pegada da saudosa Meg White.

 

O álbum é sombrio, pesado. A segunda faixa (nenhuma delas tem título) canaliza, ao mesmo tempo, a força bruta de um disco do Jon Spencer Blues Explosion e de ‘Presence’, do Led Zeppelin, enquanto a décima-terceira, é heavy rock como veículo de transcendência. Esta segunda faixa é realmente feroz, com gritos contra atacando a velha alienação pela religião. Na quinta faixa, o católico White, inspirado no Antigo Testamento, grita contra a procedimentação da fé, ou algo do gênero. Já a sétima faixa tem ares mais pop, mas sem perder a mão do peso e da crueza.

 

De fato, muitas dessas faixas recapturam o talento de White para o heavy rock repleto de ganchos e uma leveza pop. Talvez livre da pressão criativa de um lançamento “oficial”, “No Name” seja um flagrante de Jack White em modo revivalista, mas é algo difícil de dizer de um artista que se ocupa de trazer o passado para o presente, enquanto tenta fazer soar como novidade. De qualquer forma, esse álbum é uma porrada certeira, soa mais sanguíneo que quase tudo que se faz no terreno do rock atualmente e cria novidade a partir de parâmetros tão surrados como o blues e o blues rock sessentista. É cru, elétrico, meio improvisado e furioso. Dá pra dizer que este é o melhor trabalho solo de Jack White desde sempre e um de seus maiores acertos como músico e produtor. Desde sempre. Ouça e passe adiante.

 

Ouça primeiro: tudo.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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