terraplana chega ao segundo álbum com pinta de campeã
terraplana – natural
34′, 10 faixas
(Balaclava)

Dá gosto ouvir o som do terraplana. Não lembro o exato motivo, mas o álbum anterior dos curitibanos, “olhar pra trás”, foi separado aqui para resenha e terminou por jamais receber um texto de nossa lavra. Não que não tenhamos gostado, pelo contrário. Nele já era possível ver o talento do quarteto formado por Stephani Heuczuk (voz e baixo), Vinícius Lourenço (voz e guitarra), Cassiano Kruchelski (voz e guitarra) e Wendeu Silverio (bateria) e como sua opção pela matriz sonora do shoegaze confirmava o destaque esta variante do rock alternativo dos anos 1990 vem ganhando já há algum tempo. Mas o som do terraplana não é apenas isso, pelo contrário. O que eles fazem vai além do hermetismo, pegando emprestadas sonoridades como o grande rock indie de guitarras anglo-americano dos anos 1990, o alternativo atual e um monte de detalhes que surgem sem que seja possível rotular. E isso é um grande diferencial – o cinza, os sons plácidos, os andamentos de guitarra – tudo aqui é apropriado pelos quatro de uma forma muito pessoal e intensa, o que facilita e torna possível falar numa “sonoridade terraplana”, algo que às vezes demora a surgir. E “natural”, o segundo disco dos caras, confirma isso.
Com shows marcados para várias cidades dos Estados Unidos, incluindo uma bela participação no South By Southwest Festival, em Austin, o terraplana tem tudo para se transformar em mais um artista brasileiro com livre trânsito no exterior. É justamente a tal “sonoridade própria”, a que nos referimos acima, que torna isso possível. E também alguns movimentos interessantes que a banda fez para este segundo trabalho. A produção de JooJoo Ashworth, que já trabalhou com nomes como Automatic e SASAMI, e a masterização por Greg Obis da Chicago Mastering Service, que conta com discos de MJ Lenderman, Duster e Slow Pulp no currículo fez a diferença no som que sai das caixinhas. É, acima de tudo, uma abordagem moderna de “guitarras tristes”, que vem entrelaçada por ótimas levadas de bateria e baixo, configurando o terraplana não como um grupo de um gênero específico, mas capaz de transitar em uma região mais ampla. O toque genial vem com a coexistência de faixa com letras em português e inglês, reafirmando o propósito do quarteto.
“O processo inteiro desse álbum foi muito mais natural [que o primeiro]”, comenta Vinícius. “Compusemos as músicas nos períodos de intervalos entre shows do ‘olhar pra trás’, e as coisas foram saindo de um jeito bem mais fácil e leve. Conversei com a Samira [Winter] no Balaclava Fest que tocamos em 2023, e ela comentou que conhecia um produtor que poderia gostar de trabalhar com a gente”, continua. “Durante a gravação do álbum, tudo fluiu de um jeito bem fácil e divertido. A questão da língua pode ter sido uma barreira em alguns momentos, porque nenhum de nós é fluente em inglês e muito menos ele em português, mas por causa disso também aconteceram diversos momentos divertidos que deixava a coisa mais leve, e acho que isso fez com que a música também falasse por nós ou por ele em certos momentos. No fim, saímos desse processo todo com um aprendizado muito forte de produção, da forma de ver, fazer e tratar a música, e também de confiança no nosso próprio trabalho.” completa.
A qualidade de algumas composições é impressionante. A abertura, com “amanhecer”, começa com uma impressão sonora que vem chegando de longe, se apropriando do espectro com gentileza, até que a voz de Stefani preenche os ouvidos numa pegada à la Cocteau Twins, que logo deságua num mar de andamento mais rápido e tempestuoso, que já leva o ouvinte embora. Logo em seguida, “charlie” já mostra a diversidade. Lembrando um pouco bandas como Terno Rei, esta canção tem ótimo diálogo de baixo e bateria, vocais belos de Stefani e um clima de tristeza mais intensa, talvez pela letra em português, que submerge aos poucos em meio às guitarras. Em “hear a whisper”, um clima mais oitentista se instala pela linha de baixo e pela bateria eletrônica, mas logo os vocais e a expectativa pelo que virá, distrai o ouvinte. A colaboração com Winter dá o tom deste diálogo de vozes que somem na bruma. A trinca final de canções é matadora. A linda “airbag” tem uma pegada noventista, algo como uma cruza entre Smashing Pumpkins e Cocteau Twins, com vocais sussurrados maravilhosos. Logo após, “S.N.C” vem com toda a bagagem oitentista possível, mas lembrando, ao mesmo tempo, alguma banda do glorioso selo midsummer madness e, por sim, “morro azul”, linda em toda a sua majestade, mistura melancolia, chuva, saudade e todas referências possíveis.
Este novo álbum do terraplana já é um marco na produção nacional de 2025. É uma lindeza triste, mas de alguma forma esperançosa e crente no final feliz. É, acima de tudo, um belo conjunto de canções muito bem feitas, gravadas e produzidas. O estouro internacional é questão de (pouco) tempo.
Ouça primeiro: “charlie”, “hear a whisper”, “amanhecer”, “salto no escuro”, “airbag”, “S.N.C”, “morro azul”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.