Saint Etienne lança disco de ambient music

 

 

 

 

Saint Etienne – The Night
42′, 14 faixas
(Heavenly Records)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Uma fusão entre música eletrônica e várias dinâmicas de pop. Esta frase talvez definisse o trabalho do Saint Etienne mas, de cara, ela se mostra insuficiente. Sim, porque o trio inglês tem domínio extenso e inegável sobre vários campos da chamada música popular, indo da dance music ao rock alternativo, passando pelo pop tradicional anglo-americano, sempre transitando também em vários terrenos. Veja, por exemplo, este novíssimo álbum, “The Night”. Sarah Cracknell, Bob Stanley e Pete Wiggs embarcaram num conceito simples, porém ousado e dificílimo: criar o correspondente sonoro dos últimos momentos da tarde, quando os derradeiros raios de sol inundam a paisagem e a noite avança inabalável sobre o firmamento. E, claro, a partir deste momento, adentar a tranquilidade noturna com sons e tons que expressem os sentimentos que nos assaltam quando estamos sozinhos, olhando para a cidade iluminada ao longe, para as estrelas, dando espaço para nuances de saudade, nostalgia, arrependimentos do que fizemos, do que não fizemos. Esta é a ideia e o resultado desta quatorze faixas, que mais parecem uma suíte.

 

Gravado ao longo dos seis primeiros meses de 2024, “The Night” funciona mais se for ouvido de uma só vez, com fones. Wiggs declarou em entrevista que “este é o álbum que eu ouviria de olhos fechados ou no escuro”. De fato, as sonoridades tendem ao campo mais contemplativo do espectro sonoro e investem em formatos que não têm, necessariamente, a ver com o padrão usual de canção pop. O que o Saint Etienne faz aqui é mais ou menos parecido com o que fez no álbum anterior, o ótimo “I’ve Been Trying To Tell You” (2021), no qual sampleou vários trechos de canções de sucesso na segunda metade dos anos 1990 e, a partir disso, criou obras meio mutantes, meio eletrônicas e sensacionais, imprimindo aí a sua marca. Aqui o processo é semelhante, mas é feito com criações do próprio trio e com a orientação para soar como algo próximo do ambient, baixos teores, sem batidas ou elementos ritmicos muito pronunciados. Não por acaso, o compositor Augustin Bousfield colaborou com o grupo e co-produziu, contribuindo para o clima reinante.

 

Como mencionamos acima, o formato escolhido pelo grupo privilegia a audição completa do álbum, abrindo mão do formato de canção pop, ainda que “Half Light” tenha sido lançada há algumas semanas como single. É que faz mais sentido ouvir as faixas em sequência, visto que, em alguns momentos, elas se apresentam muito curtas ou em forma de pequenos interlúdios (pouco maiores que vinhetas) instrumentais. Mesmo assim, essa regra não é tão rígida assim. Além da própria “Half Light”, há outras faixas que arranham o formato convencional e, mesmo que o resultado final seja belo, dá um pouco de saudade da maestria pop do Saint Etienne, já provada ao longo de décadas à frente de uma cena indie-pop eletrônica britânica. A voz de Sarah Cracknell continua como uma das melhores em atividade, a meio caminho das cantoras do nosso tempo e o registro de gente como Astrud Gilberto. É um clássico.

 

Dentre essas faixas mais destacadas, está a belíssima “Preflyte”, que tem um clima de crescendo arrebatador e, não por acaso, contém uma performance vocal belíssima de Sarah. “When You Were Young” também é um momento de destaque, com um tom sombrio, lembrando um pouco o trip-hop noventista. “No Rush” já vai por outro caminho, eminentemente instrumental, mas linda, lenta, evocativa e cheia de detalhes que clamam por uma audição dedicada e com fones de ouvido. “Gold”, logo em seguida, é um dos momentos mais leves e alegres do álbum, com vocais sobrepostos e melodia executada ao piano, tudo devidamente empacotado pelo centrifugador de ritmos, samples e efeitos comandado por Wiggs. No fim do percurso, duas canções maiores: “Hear My Heart” e “Alone Together”, ambas belíssimas e muito representativas do conceito “solidão-cair da noite-arrependimento-saudade-etc”.

 

“The Night” é um disco especial e feito para a apreciação de poucos. Quem se aventurar por seus caminhos e respeitar o conceito apresentado pela banda, vai encontrar uma obra de beleza peculiar e inquietante. Vale a viagem, certamente.

 

 

Ouça primeiro: “Alone Together”, “Preflyte”, “Gold”, “No Rush”, “When You Were Young”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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