Não perca o duplo ao vivo do The National
The National – Rome
98′, 21 faixas
(4AD)
A mídia gringa tem uma opinião engraçada sobre o The National. Uma parte dela trata a banda de Ohio, radicada em Nova York, como a maior em atividade no planeta. Outra boa parte encara o quinteto como algo que não deveria ter durado tanto e que, por isso, tornou-se bom demais, grande demais. Vá entender. Ainda que conflitantes, essas visões têm algo em comum – o fato de que, sim, o The National é uma banda que está na primeira prateleira do rock em 2024, ainda que seja do tal indie rock do início do milênio, maturado e transformado até agora. “Rome” é um álbum duplo ao vivo como manda a tradição – com versões modificadas dos registros de estúdio, participação do público e com um artista dando tudo no palco. E com ênfase no trabalho mais recente, no caso, “First Two Pages Of Frankenstein”, lançado em 2023. Se você lembra – ou leu a nossa resenha da época – este álbum marcava o retorno do vocalista Matt Berninger após uma depressão severíssima, ocorrida durante os anos da covid-19. Segundo consta, o sujeito teve dificuldades para sair do quarto, da cama, diante do panorama mundial daquele momento terrível, a ponto da banda precisar vir a público para dar satisfação aos fãs, temerosos pelo fim das atividades diante das notícias sobre o vocalista. Se “Frankenstein” exorcizava essa barra pesada, “Rome” é a coroação desta volta por cima, com vários bônus.
Não é o primeiro registro ao vivo do grupo, mas é a primeira retrospectiva formal de sua carreira capturada de um único show. As realizações anteriores eram peças excêntricas ou pouco convencionais, como álbuns contendo a íntegra de discos de carreira (no caso, de “The Boxer”), versões em cassete e outras esquisitices. Aqui, em “Rome”, a banda faz valer a máxima dos fãs, que sempre disseram que “ao vivo, as canções ganham em drama, profundidade e força”. E é isso mesmo. Poucos artistas atuais têm tanto ganho sobre o palco como o The National e “Rome” trata exatamente disso – de um repertório pouco óbvio desfilado diante de uma plateia ávida e participante, por uma banda tocando como se fosse a última apresentação que fizesse antes de seu fim. E o lugar escolhido é nada menos que deslumbrante: o Auditorium do Parco della Música Ennio Morricone, em Roma. Além dos integrantes habituais do The National, as duas duplas de irmãos – Aaron e Bryce Dessner mais Bryan e Scott Devendorf, sem falar no próprio Matt Berninger e os músicos convidados, Ben Lanz e Kyle Resnick (que tocam com o Beirut), são capazes de fornecer as sonoridades ampliadas de metais, teclados e todo o aparato guitarrístico necessário.
Oito dos dez álbuns da discografia do The National estão contemplados no tracklist de “Rome” e a banda se permitiu escolher algumas canções obscuras e preferidas dos fãs desde muito tempo. Logo de cara, uma delas – “Runaway”, do álbum “High Violet” (2010), inicia os trabalhos e mostra que a banda estava diante de um público eufórico, que a contaminou aos poucos. Entre vários “ciao, amici” ou “grazie mille” nos intervalos entre as canções, Berninger vai construindo uma relação de cumplicidade e parceria com o público que transforma criações como “Murder Me, Rachael”, “Lit Up” ou “Lemonworld” em casos à parte. Em uma das melhores faixas de todos os álbuns da banda, “The System Only Sleeps In Total Darkness” (do álbum “Sleep Well Beast”, de 2017), a banda parece a ponto de explodir no palco, tamanho o vigor que a performance alçanca.
É curioso, no entanto, que os momentos mais sensacionais de “Rome” sejam com interpretações de faixas do último álbum, “First Two Pages Of Frankenstein”: “Tropic Morning News”, que já é sensacional no original, ganha força exponencial nesta versão. O mesmo pode ser dito da tristeza infinita de “New Order T-Shirt”, que fica ainda mais confessional e dilacerante ao vivo. Digna de nota máxima também é a maratona frenética que é o crescendo de “Smoke Detector”, que parece consumir a capacidade respiratória de Berninger à medida que ele percorre os seus quase sete minutos de duração numa hecatombe de guitarras, bateria e teclados que parecem catar os cacos de sua voz no chão do palco. Se essas leituras ao vivo não emocionarem o ouvinte, talvez nada mais possa.
“Rome” é uma ótima forma de conhecer a obra do The National para neófitos. Tem a intensidade ao vivo, tem a lindeza do repertório e o conforto de uma banda em sua forma exuberante, calejada e ainda com muito a dizer.
Ouça primeiro: “Tropic Morning News”, “New Order T-Shirt”, “Smoke Detector”, “Lit Up”, “The System Only Sleeps In Total Darkness”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.