Pond traz a psicodelia ao alcance de todos
Pond – Stung!
54′, 14 faixas
(Secretly Distribution)
O que seria necessário para fazer o disco perfeito de pop rock em 2024? Mesmo que o termo “pop rock” não seja mais usado há anos, ele ainda simboliza – pelo menos é a minha intenção ao usá-lo – a mescla perfeita entre influências roqueiras mais clássicas e capacidade de ressignificá-las de tempos em tempos, bem como inseri-las em canções redondas, assoviáveis, grudentas. O Pond sempre teve isso e segue em constante evolução neste que é seu décimo trabalho, “Stung!”, seguindo seu plano mestre de se apropriar dessas referências clássicas, tornando-as suas enquanto oferece ao ouvinte um pequeno banquete sonoro de ótimas faixas. Lembra muito o Tame Impala, projeto engendrado pelo amigo e ex-integrante Kevin Parker, mas o Pond tem mais vínculos com esta linhagem mais clássica roqueira, ainda que esteja, bem aos poucos, incorporando influências distintas, caso notável do funk, usado aqui nos parâmetros Prince/Talking Head do termo, com direito a falsetes, linhas de baixo sustentáveis e toda uma ambiência pra lá de convincente. É, mais que tudo, o melhor protótipo desta fusão psicodélica-pop que vem em andamento desde o início dos anos 2000, levada por gente tão distinta e diversa quanto Flaming Lips, MGMT, Animal Collective, Tame Impala e o próprio Pond.
Como a gente gosta de dizer aqui, nada disso seria possível sem ótimas canções e o Pond é pródigo com elas. Na verdade, a capacidade do vocalista e líder Nick Albrook de soar como o clássico rockstar do passado dentro de uma embalagem totalmente contemporânea é o grande trunfo presente na receita da banda. E Albrook sabe disso, incorporando esta persona criativa e eloquente, além de fornecer as estruturas que comunicarão ao público o que a banda pensa e cria. É bacana ver como o Pond evoluiu nesta direção da acessibilidade sonora sem perder a relevância ou a essência. Ainda dá pra ouvir os ecos psicodélicos sob o sol que sempre o caracterizaram, desde o início das atividades em Perth, há quinze anos. Mas, se me permitem, o que me cativa nas canções da banda e as torna bacanudas é, justamente, a capacidade de inserir as influências sonoras em vários momentos e de várias formas, seja um naipe de metais aqui, um arranjo de cordas ali, um riff de guitarra acolá. O resultado é sempre uma sensação confortável de familiaridade que dura apenas o tempo necessário para nos darmos conta de uma sensação boa, desejável.
Sendo assim, “Stung!” está cheio de ótimos momentos, prenhes de satisfação auricular para quem está a fim de procurar detalhes e belezuras no microscópio dos fones de ouvido. É um álbum feito para ser ouvido assim e a recompensa é certa. Como estamos mencionando o tal “acento pop” nas canções, é bom que digamos que Albrook e sua turma fazem essa aproximação através de parâmetros do pop oitentista mais clássico, imemorial, bem produzido e polido. Uma canção como a sublime “O, UV Ray”, lá na segunda metade do álbum, tem, ao mesmo tempo, um jeitão de clássico oitentista revisitado e lindeza de uma faixa que os Beach Boys poderiam ter composto num universo alternativo. “Last Elvis” é outro exemplo de como essas referências são embaralhadas em ótimos arranjos – tem bateria rapidinha, efeitos sub-reptícios e explosões vocais, tudo isso com uma bateria maravilhosa, em andamento rápido e … soul. Como entender?
“Constant Picnic”, a faixa de abertura, posiciona o ouvinte diante de um oceano hipotético, num dia lindo de verão, apenas com acordes que vão se modificando levemente, enquanto a voz de Albrook aparece meio embaralhada, logo sendo engolfada pela bateria e os outros instrumentos. É a abertura perfeita e logo se junta a “(I’m) Stung”, a quase faixa-título, em que teclados subaquáticos logo na entrada são tragados por guitarrinhas setentistas e dão numa melodia perfeita que nos é totalmente familiar, ainda que nunca a tenhamos ouvido. É mais verão, mais praia e céu azul. A faixa seguinte, “Neon River”, dá uma pisada no freio e aponta direto para esse passado clássico e setentista do rock, chegando a lembrar Led Zeppelin na explosão do refrão em meio a guitarras e bateria pesadinha. E, para confundir o ouvinte ainda mais, “So Lo”, a faixa seguinte, é um funk nos termos mencionados acima, mais pra Talking Heads do que para qualquer outro parâmetro. Mas funciona que é uma lindeza. Finalmente, para honrar o DNA psicodélico inerente ao Pond, há um épico multifacetado, “Edge Of The World pt.3”, que tem mudanças de andamento, arroubos progressistas e alternâncias que sacolejam o ouvinte durante seus mais de oito minutos.
O Pond parece ter uma determinação quase ideológica de colocar uma certa variante amigável e portátil de psicodelia ao alcance de todos. Este é mais um álbum no qual ele consegue plenamente fazer isso. Escolha a sua joia mais querida neste diadema.
Ouça primeiro: “Edge Of The World, pt.3”, “So Lo”, “O, UV Ray”, “Last Elvis”, “(I’m) Stung”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.