Angelheaded Hipster – The Songs Of Marc Bolan & T.Rex
Gênero: Rock alternativo
Duração: 97 min.
Faixas: 25
Produção: Hal Willner, vários
Gravadora: Warner
Pensa bem como a ideia é boa: reunir um time de cantores, cantoras, bandas e fazer um tributo à obra de Marc Bolan, o ex-líder do T.Rex. E olha que legal: tem gente de várias procedências; Nick Cave, Perry Farrell, Joan Jett, Devendra Banhart, Father John Misty, Beth Orton e até medalhões como U2 e Elton John, que colaboraram na gravação de “Get It On (Bang a Gong)”, misteriosamente sumida das plataformas de streaming e do YouTube, só conseguida no bom e velho Soulseek. Também tem Lucinda Williams, Marc Almond, ou seja, um escrete de primeira, como diriam os velhos narradores esportivos do rádio. E mais: fazer uma homenagem à obra de Bolan e ao talento do produtor Hal Willner, falecido em março deste ano. Willner era dessas pessoas com trânsito por vários nichos do mercado, sendo responsável por arregimentar artistas para tributos em forma de discos. Ainda tem um atrativo extra neste “Angelheaded Hipster”, que é o de, justamente, reviver este tipo de lançamento. Lembram dos tributos ao Led Zeppelin e aos Carpenters, lançados nos anos 1990? E as regravações das canções de desenhos animados? Cover, versão, tudo isso é bem legal. A menos que … bem…
“Angelheaded…” ainda capricha na generosidade, trazendo 26 faixas, reunidas num disco duplo, que pretende cobrir várias facetas de Bolan. Aliás, é bom que se diga: Marc Bolan, caso você ainda não saiba quem é, foi um dos mais sensacionais artistas do rock da virada dos anos 1960/70, especialmente quando pilotou a música do T.Rex, um grupo que fazia “boogie”, ou seja, uma sonoridade dançante, suja, roqueira, glamurizada pelos tempos, nos quais Bolan e amigos/seguidores como Roxy Music e David Bowie se apresentavam maquiados, vestidos de mulher, enlouquecidos em plumas, glitter, paetês e decadência, criticando a seriedade excessiva do rock daquele, pregando a bebedeira. a irreverência e o hedonismo como valores fundamentais da coisa rock. Tristemente, Bolan foi embora da vida cedo demais, morrendo em um acidade de automóvel em 1977. Ao longo dos tempos, suas músicas já ganharam covers de gente boa e influenciaram vários grupos e artistas dos quais você gosta e nem sabe. De Duran Duran a Arctic Monkeys e por aí vai.
Se a música de Bolan e seu T.Rex era irreverente (não engraçada, note bem a diferença), não caberia muita reverência num tributo bem feito, certo? E seria legal ter uma certa coerência no recrutamento dos participantes. Se o time é legal, há coisas inexplicáveis, como a presença de Ke$ha, que, veja você, logo escolheu o hino “Children Of The Revolution” para “homenagear. O resultado é triste. Como esta é a faixa de abertura, a impressão que fica é a pior possível, mas Nick Cave, que homenageia “Cosmic Dancer” com coerência, ou seja, fazendo dela quase uma música fúnebre, consegue equilibrar o jogo. Daí em diante, o percurso musical será apenas um jogo de péssimos contra razoáveis, sem ninguém chegar para marcar um tento sequer para as versões boas, que passam em branco por aqui. Isso sem falar nos naufrágios: Joan Jett, Emily Haines, Gavin Friday, Gaby Moreno, até o quase inatacável Todd Rundgren…
Alguns até arranham, caso de Peaches, com “Solid Gold, Easy Action”; Beth Orton, que empresta seu vocal enfumaçado para “Hippy Gumbo”; King Khan, com pequenas pinceladas de psicodelia contemporânea em “I Love To Boogie” e as duas melhores coisas em todo o disco: Perry Farrell com uma quase incendiária “Rock On”, que preserva o clima original e funciona na base da simplicidade e amor. O que é triste mesmo por aqui é a absoluta irrelevância da versão do U2 para a canção mais conhecida de Bolan, “Get It On”. A participação de Elton John na gravação é absolutamente irrelevante, o arranjo é no piloto automático e dá absoluta pena se compararmos tal versão com a que o Power Station, dissidência do Duran Duran, fez em 1985. Triste mesmo.
Nem precisava dizer isso, mas, procure os originais, jovem.
Ouça primeiro: “Rock On”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.