O Problema com Greta Van Fleet

 

A Célula Pop ainda não existia quando chegaram as primeiras notícias sobre o grupo americano Greta Van Fleet. Os mais antenados começaram a falar do quarteto de Michigan lá por meados do ano passado, quando as primeiras músicas dos caras chegaram aos serviços de streaming. Mais pro fim do ano, precisamente em outubro, o assunto voltou às rodinhas virtuais de conversa, a partir do lançamento do primeiro álbum, “Anthem For The Peaceful Army”. Pouco depois, começaram os rumores – depois confirmados – de que a banda viria ao Brasil como integrante do line-up do Lollapalooza e faria uma apresentação quase esgotada na Fundição Progresso, no Rio. Sendo assim, porque ainda é atual e relevante, eu puxo de volta o tema e pergunto: qual é o problema com Greta Van Fleet?

Vocês já ouviram a banda? São três irmãos do cafundó americano, Jake Kiszka (guitarra), Josh Kiszka (vocais) e Sam Kiszka (baixo) e o baterista Danny Wagner e sua receita musical é bem simples: pegar o que o Led Zeppelin gravou no início de sua carreira e usar tal material como única referência estética para suas canções. Uma audição descompromissada das faixas gravadas pelo GVF vai chamar a atenção até do mais compreensivo e tolerante ser, que se surpreenderá com a “semelhança” da estética proposta pelo quarteto de jovens com a criada pelo outro quarteto, o inglês, de cobras criadas do rock’n’blues. E é aí que a gente entra. Vale se incomodar com isso? Ou estamos perdendo tempo, visto que o público do Greta é crescente, formado por jovens recém-desmamados e só quer se divertir? Ou vale pensar que há muita gente que saúda a banda como adepta do “bom e velho” rock’n’roll? Acho que vale falar a respeito, sim.

O próprio Led Zeppelin foi detonado pela crítica especializada quando surgiu. Foi acusado de tudo: falta de originalidade, pretensão, inépcia…As coisas mudaram quando Plant, Page, Jones e Bonham enveredaram por um caminho em que o folk foi incorporado como influência fundamental, ao mesmo tempo em que eles burilavam uma sonoridade própria, uma espécie de versão personalíssima do que se fazia na virada dos anos 1960/70. Ralaram, passaram fome, se acabaram em drogas e bebida, ou seja, cumpriram o périplo desta busca pela maturidade. A partir do “Led Zeppelin III”, o jogo virou para a banda e o resto é história. E o GVF? Os moleques têm pouco mais de 18 anos de idade. Viveram numa cidade chamada Frankenmuth, a salvo de todo mal, protegidos pelos pais, até decidir formar uma banda de rock e cair no mundo. E a indústria musical? Onde foram parar os velhos caçadores de talento para dizer: “não, gente, isso aqui é muito copiado de Led Zeppelin, vão fazer outra coisa, vão”. Pois é, os tempos mudaram.

Em primeiro lugar, o Led e seu ápice ocorreram há quase cinquenta anos. Qual o problema em chupar tudo o que eles fizeram em seu início de carreira – até porque, as criações a partir de “Houses Of The Holy” são por demais complexas para o GVF até copiar – e sair por aí, cantando e ganhando dinheiro? Aparentemente nenhum. O neoliberalismo não está nem aí para controles de qualidade e responsabilidade artística. Quem quiser consumir uma cópia pálida de algo que já foi feito, que consuma, sem consciência pesada. É fácil, simples, vai ter uma horda de gente cooptada por essa lógica para te dizer para ouvir sem preconceito, que o tempo mudou, que vale tudo, que os moleques são ótimos, ou seja, todo tipo de justificativa será dada. Provavelmente os shows da banda devem ser vigorosos e cheios de gente jovem reunida, como já dizia Belchior.

Além disso, por mais que você tenha acesso à discografia completa do Led Zeppelin e de várias outras formações roqueiras de outrora, a probabilidade de vê-los no palco ou gravando material novo é cada vez menor. Enquanto isso, o Greta Van Fleet surge no quintal da sua casa, facinho, facinho. É compreensível que alguém queira experimentar o rock vendo uma banda ao vivo. Se as bandas cover podem tocar em rádio e encher casas de show, por quê o Greta não poderia? Claro que pode.

O que incomoda – e isso não é um problema da banda – é a postura de fãs de rock mais velhos. A justificativa que boa parte dessa gente forneceu para a banda ser aceita é o abraço a uma sonoridade “velha” e “gloriosa”. Isso sim, é um problema. O rock, como qualquer estilo artístico, está relacionado diretamente com a história e com a sociedade – disso não dá pra escapar. Quando os pioneiros o descobriram, lá pra segunda metade da década de 1950, o fizeram por um grande número de razões, não só musicais, mas sociais, econômicas e comportamentais. Durante décadas o estilo foi sinônimo de atitude, progresso, mudança, inclusão, contestação. É triste ver que uma maioria constrangedora de gente não consegue enxergar isso ou, mais triste ainda, é pensar que o rock se tornou um gueto de conservadores obtusos.

Enquanto isso, o GVF segue por aí. Pra quem tem noção do que as bandas de rock de outros tempos representaram e do que criaram, imagino que os caras só sejam curiosidade a ser conferida. Pra garotada, segue a lógica do professor em sala de aula: se poucos alunos prestarem atenção no conteúdo, já terá valido a pena. Aplicando pro contexto da banda: se um punhado de moleques sair do show querendo conhecer outras bandas de rock, já terá valido. E segue o barco.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

One thought on “O Problema com Greta Van Fleet

  • 18 de março de 2019 em 09:50
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    O pouco que ouvi do Greta, gostei. Acho válido resgatar velhas e boas influências, ainda que manjadas. De certa forma, a reação geral ao grupo me lembra o que se falava do Darkness, há alguns anos, só que as referências eram mais diversificadas.

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