Metallica empreende visita sutil ao passado

 

 

 

 

Metallica – 72 Seasons
77′, 12 faixas
(Blackened)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

 

Certa vez, Allen Ginsberg cravou uma de suas frases mais célebres, dizendo que “a fama é uma maldição sem compensações suficientes”. Ao que parece, ao atingir a fama, um indivíduo nunca tem escapatória: ele sempre será julgado em comparação aos picos alcançados no passado.

 

 

Mesmo que os membros do Metallica pareçam gostar do título da banda de heavy metal de mais sucesso no mundo, a fama nunca os perdoou. O Metallica inovou e mudou em várias ocasiões em sua carreira. A estreia com “Kill ‘Em All”, lançado em 1983, foi um marco para o thrash metal; em 1991, o “The Black Album”, com uma abordagem mais acessível, uma música mais comercial, uma produção mais polida e um som mais radiofônico, torcia os narizes dos fãs tradicionais da banda; em 1996, em um cenário pós-grunge, o Metallica, de maneira improvável, olhou para o rock alternativo e para o country, diversificando e incorporando outros sons em “Load”; o álbum subsequente, “Reload”, lançado em 1997, expandiu ainda mais essas influências; em 2011, a banda surpreende em uma parceria inusitada com Lou Reed, o que gerou o idiossincrático “Lulu”.

 

 

Em todos os momentos citados, o Metallica foi criticado – sabemos que em alguns muito mais que outros. Mas, ainda, em todos esses momentos, de alguma forma, o Metallica demonstrou a sua habilidade de se reinventar e se manter relevante, quando era muito mais confortável, para uma banda já veterana e respeitada, fazer mais do mesmo. O curioso é que agora, com seu décimo primeiro álbum de estúdio, há quem diga que a banda resolveu olhar para o passado. E sobre isso não há discordância. “72 Seasons” visita o passado do Metallica de duas maneiras: em sua sonoridade, quando escutamos o grupo demonstrando que foi capaz de reproduzir “o clássico som do Metallica”; mas, ainda mais do que isso, há uma visita íntima ao passado pessoal de cada um dos integrantes, o que é perceptível no trabalho lírico de “72 seasons”, que abrilhantou o disco. Isso porque o conceito de do álbum foi forjado na ideia das primeiras setenta e duas estações do indivíduo em sua vida – ou seja, os seus primeiros dezoito anos.

 

 

James Hetfield revelou que a inspiração para nomear o álbum veio de um livro que estava lendo sobre a relação entre a infância e a maturidade. É nítido que o vocalista, que passou por situações complexas na sua carreira envolvendo inúmeros problemas internos do Metallica, a morte de familiares, além de vícios e batalhas pessoais, colocou muito de si em “72 Seasons”, ao ponto de ter feito uma de suas melhores performances frente à banda.

 

 

A faixa de abertura apresenta um riff de guitarra enérgico e pesado, acompanhado de uma batida forte e marcante. Na primeira oportunidade é possível ouvir voz de James Hetfield soando mais madura e experiente, uma das razões pelas quais já é perceptível que Hetfield irá brilhar ao longo do álbum. É um começo forte e promissor para um disco. A segunda faixa, “Shadows Follow”, é uma das mais cativantes, mostrando a maturidade artística dos membros que tiveram liberdade para fazer o melhor com seus instrumentos. Em “Lux Æterna”, a bateria frenética de Lars Ulrich e guitarra solo de Kirk Hammett são destaques, mostrando que a banda se diverte ao falar de um tema profundo. O sempre simpático Robert Trujillo tem momentos fantásticos, como no solo de “Sleepwalk My Life Away” e na levada de “Chasing Light” – Trujillo que, inclusive, afirmou que “72 Seasons” foi o seu melhor registro com o Metallica.

 

 

Ainda que poucas canções aparentem ter uma duração maior do que a necessária, “72 Seasons” não soa repetitivo ou enfadonho. Para uma banda com mais de trinta anos de carreira, além de trabalhos polêmicos e diversificados, o álbum é forte e coeso. A produção de Greg Fidelman, Hetfield e Ulrich, é, claro, impecável, permitindo que cada instrumento brilhe em seu próprio espaço. A banda mostra que, mesmo após décadas de carreira, ainda é capaz de criar músicas poderosas e cativantes.

 

 

Allen Ginsberg estava correto ao dizer que a fama é, muitas vezes, traiçoeira. A fama cria o mito, e sabemos que mitos são sonhos públicos, nunca alcançáveis e, por isso, passíveis de todo tipo de contestação. E tudo bem. O Metallica se consagrou há muito tempo, e por esta razão alguém irá dizer que a banda está ultrapassada ou que fez uma mera visita ao passado. Refutando, mais do que uma visita ao passado, “72 Seasons” é um testemunho da longevidade do Metallica e um registro de uma banda confiante, madura e que simplesmente se propôs uma liberdade para fazer o que sabe de melhor.

 

 

Escute primeiro: “Shadows Follow”

 

 

Maisa Carvalho

Maísa Mendes de Carvalho é piauiense com toques paulistas, advogada, criadora e apresentadora do Distorção Podcast, amante das artes humanas e apaixonada por música.

2 thoughts on “Metallica empreende visita sutil ao passado

  • 18 de abril de 2023 em 09:30
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    Mais do mesmo, mesmo sendo mais do mesmo, um bom disco três estrelas!!!

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  • 18 de abril de 2023 em 05:32
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    Amei seu texto, parabéns. Concordo bastante com tudo que foi mencionado. Li ouvindo o álbum e de fato foi uma grande surpresa esse lançamento. A banda está de parabéns por realizar um registro tão honesto e coeso. Não vejo motivos para qualquer crítica a esse trabalho.

    Resposta

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