Não perca “Lavanderia”

 

 

Das estreias de fim de ano na Netflix, certamente “Lavanderia” foi a que veio antes e a menos badalada. Perdeu para o péssimo novo filme de Ryan Reynolds, um tal de “Esquadrão 6”, que soa como uma mistura do pior de “Missão Impossível” com “Velozes e Furiosos”. Também ficou atrás de “Histórias de um Casamento”, que foi incensado por uma galera com pouca noção. Ainda que Adam Driver e Scarlett Johansson tenham feito bons trabalhos, o longa de Noah Baumbach fez mais barulho do que deveria. Pois bem, “Lavanderia” certamente fez pouquíssimo barulho na imprensa e é o melhor dos três, disparado. Vejamos.

 

À frente da empreitada está o diretor Steven Soderberg, meio sumido depois das duas partes de “Che”. No elenco está um trio de respeito: Gary Oldman, Antonio Banderas e Meryl Streep. O tema? O escândalo dos Panamá Papers, ocorrido em 2016, que desbaratou a ação de um escritório de advogados, com sede na capital panamenha, chamado Mossack e Fonseca. Os ditos cujos são vividos por Oldman e Banderas, respectivamente, e o filme mostra de maneira didática e bem humorada, a origem e o modus operandi da dupla, além do tipo de serviço que prestavam, que era, basicamente, a viabilização de empresas de fachada para que pessoas pudessem lavar dinheiro sujo e empreender falcatruas de vários tipos. Como os próprios dizem a certa altura, nem mesmo eles sabiam o que seus clientes faziam com o dinheiro. Sim, é isso aí.

 

A personagem de Streep – novamente excelente – é Ellen Martin, uma das vítimas do rocambole jurídico-financeiro decorrente da ação da dupla, que decide investigar o motivo pelo qual não recebeu a quantia de um seguro devido por conta de um acidente de barco, no qual perdeu o marido. Ellen vai puxando o fio da meada até chegar num paraíso fiscal, a ilha de Nevis, no Caribe, na qual está – ou deveria estar – sediada a companhia de seguros. Sua investigação é didática para o espectador, que percebe o tamanho da roubada em que as pessoas comuns – pagadoras de impostos e cumpridoras dos deveres – acabam entrando.

 

O filme traz várias histórias paralelas, que vão se encontrando aos poucos, unidas pela relação mais ou menos intensa com a dupla de picaretas e suas ações. Na verdade, o filme explica que Mossack e Fonseca eram facilitadores dentro de um sistema apodrecido. Sua ação permitia várias distorções nos campos do sigilo profissional e empresarial, abrindo espaço para todo tipo de golpe e negociata. Porém, eles explicam, o que faziam era dentro da lei, explorando jurisprudências e decisões políticas de todos os tipos, permitidas por conta da eleição de representantes de grandes interesses para cargos no Legislativo e no Executivo de países como os Estados Unidos. Aliás, Mossack e Fonseca definem que o país mais poderoso do mundo é o maior paraíso fiscal do mundo.

 

A narrativa criada por Soderbergh é leve e bem humorada, apelando para o ridículo decorrente da subserviência social ao dinheiro. As pessoas surgem como meras peças num tabuleiro viciado, no qual os poderosos e influentes acabam, mesmo que presos, se dando bem. As atuações de Oldman e Banderas são boas e dão o tom tragicômico que o filme pede, enquanto Meryl Streep é, novamente, a estrela. Com naturalidade ela toma o filme pra si, reservando um final surpreendente e interessante.

 

“Lavanderia” não pretende ser biográfico, pelo contrário. Sua intenção é ser didático e, na medida do possível, contundente sobre as falcatruas que a lei feita para os poderosos permite. Veja.

 

 

The Laundromat

EUA, 2019

De: Steven Soderbergh

Com: Meryl Streep, Gary Oldman, Antonio Banderas, James Cromwell

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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