Mais uma lindeza dos Pernice Brothers

 

 

 

 

 

Pernice Brothers – Who Will You Believe
40′, 12 faixas
(New West)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

 

Descobri os Pernice Brothers por volta de 2001, quando trabalhava numa empresa de telefonia, morava bem longe da minha casa, numa cidade estranha, cumprindo uma jornada que acabava perto da uma da manhã. Ainda que a qualidade do meu serviço prestado para a empresa fosse claramente discutível, foi nessa época que vasculhei com disposição cantos distantes da Internet em busca de novidades musicais. Era enervante ler sobre tantas bandas e ter tão poucos meios para ouvi-las, num tempo em que programas como Napster e Kazaa representavam o máximo de conectividade e possibilidade de obter arquivos em mp3 de bandas desconhecidas. Naquele momento bem anterior aos serviços de streaming, eu adorava ler as páginas da Amazon. Nelas, cada álbum vinha acompanhado de uma boa descrição/release, além das opiniões dos compradores, que escreviam textos enormes e pessoais sobre os discos. E também era possível ouvir trechos das faixas, que eram digitalizados e colocados à disposição do “internauta”. Com essas ferramentas, nessas circunstâncias, em algum ponto daquele ano estranho, eu topei com o segundo álbum dos Pernice Brothers, “The World Won’t End”.

 

A indicação para o álbum viera do famigerado algoritmo, que entendera meu amor por Teenage Fanclub e outras bandas/artistas que militavam no mesmo som – um powerpop agridoce, literato, enguitarrado mas sem perder a ternura. E Pernice era exatamente isso, uma espécie de versão americana do TFC, cantando sobre a vida recém adulta direto de Boston. Hoje, 23 anos depois disso e alguns álbuns depois, Pernice ainda tem a manha e a magia. Residindo em Toronto, no Canadá, há alguns anos, casado, pai e louco por longas jornadas de bicicleta, Joe é um espectador do cotidiano levemente mal humorado e melancólico. Suas canções, sua poesia e sua postura parecem, de fato, feitos para outro tempo e isso confere um charme fora de esquadro a seu novíssimo registro, “Who Will You Believe”. Ainda tem tudo aqui: melodias perfeitas, arranjos de guitarra em que a harmonia é mais importante que peso ou barulho, intervenções de cordas, metais e vocais cuidadosamente posicionados. Os temas orbitam a perplexidade que é experimentar o cotidiano de 2024, especialmente para quem veio de outra época, como Joe, que nasceu em 1967.

 

Esse desajuste, que sempre existiu na carreira de Pernice, ganhou força com o passar do tempo e o legitima com mais força hoje. Ele é o tipo de cara que não gosta de streaming, ouve os mesmos discos dos Smiths e do The Cure e vê com perplexidade os conhecimentos musicais do filho adolescente aumentarem exponencialmente, enquanto faz comparações sobre como sabia pouco sobre música quando tinha a mesma idade. É o sujeito que fica feliz por excursionar numa van pelas redondezas, tocando para cem, duzentas pessoas porque não acredita em grandes, enormes eventos e espaços. Essa má vontade com a modernidade, que todo mundo deveria ter, em uma intensidade controlada, é que dá a Joe Pernice o lastro para escrever letras e melodias tão belas. E, como o tempo passa e leva tudo e todos, algumas canções presentes neste novo trabalho são doloridas, especialmente “The Purple Rain”, que encerra o álbum, sobre perdas de amigos próximos e muito queridos.

 

Há uma bela canção chamada “I Don’t Need That Anymore”, que Pernice canta em dueto com Neko Case, num arranjo levemente country e alternando doçura e amargor diante dos relacionamentos, sentimentos e como eles escorrem pelas nossas mãos. “Who Will Believe” soa como se Elvis Costello gravasse com o Teenage Fanclub atual, enquanto lindezas como “December In Her Eyes” acena para um pop mais polido e orquestrado. Em “What We Had”, Pernice envereda pelo terreno da balada folk afetuosa, sentimental e bela, lembrando um sucesso do passado, “Cronulla Breakdown”, que tem andamento e clima semelhantes aos desta gravação. E tem a efusiva “Hey, Guitar”, um roquinho com andamento rápido que soa diferente, mas nunca deslocado em meio ao todo.

 

Joe Pernice oferece um trabalho que tem viés de cronista. Suas canções funcionam muito melhor se soubermos quem ele é, o que pensa e como lida com essas situações comuns a todos nós. Seja como for, seu talento para criar canções rock perfeitas segue intacto e soa muito mais forte à medida em que ele fica mais velho. Ouça e comprove.

 

 

Ouça primeiro: “Who Will Believe”, “I Don’t Need That Anymore”, “Hey, Guitar”, “The Purple Rain”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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