O Wham era bem bacana e podemos provar

 

 

Sintam o drama do ouvinte de rádio no Rio de Janeiro de 1984/85. Toca uma canção novíssima e sensacional e ele quer saber o título. Então se prepara, apura o ouvido e, claro, não entende que a música se chama “Wake Me Up Before You Go-Go”, muito menos que o artista se chama Wham. Entende tudo errado, o título quilométrico naufragou entre o inglês impreciso do locutor e a sua ainda embrionária capacidade de compreensão do idioma. O nome da banda é igualmente indecifrável – “one”, “won”?. Se não fosse o suporte visual fornecido pelos nascentes programas de clipes da época, jamais saberia detalhes sobre aquela belezura dançante. No vídeo, dois caras muito cafonas, excessivamente bronzeados e anormalmente sorridentes aparecem cantando e dançando como se o mundo neoliberal de 1984/85, especialmente sob o governo de margaret thatcher, fosse uma maravilha dourada. Mesmo assim, a canção é exuberante e a alegria contagia. Pronto: “Wake Me Up…” o fisgou naquela tenra idade e nunca mais foi embora. Pouco tempo depois, o ouvinte, ainda naufragando no mar da pouca informação, se deparou com um tal de George Michael, que apareceu com uma canção solo, “Careless Whisper”, fazendo muito sucesso. Ninguém disse que ele era o vocalista do Wham. Não eram fáceis os tempos da pré-informação, pessoal.

 

Esta introdução simpática é pra, sim, afirmar que o Wham era legal. Destroçado pela crítica da época, desacreditado em todos os lugares do planeta – exceto na Inglaterra – o duo chegava ao Brasil justo no momento em que começava a fazer shows lotados nos Estados Unidos, algo que todo artista inglês deseja fazer. Na ativa desde 1982, lançando o primeiro disco no ano seguinte – “Fantastic” – o Wham era um duo eminentemente pop. Vá lá, era um duo que “popizava” informações vindas do funk setentista e do nascente hip hop oitentista. George e Andrew, dois sujeitos de Bushey, cidadezinha no leste da Inglaterra, eram caras normais. O primeiro, mais introspectivo e sensível. O segundo, o típico gente-boa, camarada, sorridente e arruaceiro. Juntos encontraram equilíbrio, amizade e convergiram talentos para a confecção de melodias juvenis. Deu certo após martelarem um ano, o que os levou a assinar contrato com a pequena gravadora Innervision. A imagem dos dois era de rockers de rua – casacos de couro, barba por fazer – , vinculados – veja você – à penúria material do governo thatcher, responsável por taxas altíssimas de desemprego entre os jovens ingleses naquele início de anos 1980. Com letras que glorificavam a juventude apesar do sistema inclemente, o Wham nasceu como artista consciente. Talvez por isso, canções como a baleárica e sensacional “Club Tropicana” não tenham sido aceitas logo de cara.

 

 

Claro que a onda dos dois não tinha nada a ver com isso. Se havia algo no Wham que pode ser identificado com um traço extra-música, era a vontade de ser adolescente para sempre, custe o que custar. Visando este objetivo, as canções passavam por celebrações juvenis e hedonistas, algo que vendia como água naquela Inglaterra cinzenta e tristonha de então. O primeiro álbum, “Fantastic”, fez sucesso doméstico entre 1983 e o início do ano seguinte, levando o Wham a excursionar pelo país e aumentar sua base de fãs. Este fato tornou a dupla bastante celebrada e conhecida, motivando Bob Geldof a chamar Andrew e George para participar da gravação de “Do They Know It’s Christmas”, canção que ele compusera visando chamar atenção para a fome na Etiópia. O Wham não só integrou o estelar time de convidados como George se apresentou no Live Aid, em julho de 1985, cantando ao lado de Elton John uma de suas mais celebradas canções: “Don’t Let The Sun Go Down On Me”. Não custa lembrar que, alguns anos depois, Elton e George a regravariam em forma de single, num sucesso global impressionante.

 

 

O segundo álbum do Wham, “Make It Big”, de fato, fez o sucesso do duo crescer exponencialmente, baseado na excelência da supracitada “Wake Me Up Before You Go-Go”. Este trabalho marca a ascensão de George Michael como produtor, compositor e estrela pop em potencial. Perfeccionista, inseguro e genial, Michael viu suas habilidades como compositor se tornarem cada vez mais sólidas e importantes, tanto que ele já assina uma canção como artista solo nesta época, a também supracitada “Careless Whisper”, um dos maiores sucessos do pop mundial desde sempre. Além destes dois hits, o Wham ainda tinha alguns trunfos no colete. “Everything She Wants” é uma lindeza pop perfeita, com ótima performance vocal de George sobre uma base eletrônica genial. “Freedom” é outro momento dourado, chegando a lembrar canções setentistas da Motown em sua melodia e arranjo. A imagem de sujeitos malandrões da rua ficara pra trás, abandonada em favor de dois sujeitos coloridos e alegres. Esta é a estampa que vem no clipe de “Wake Me Up…” que o jovem ouvinte do início do texto viu no FM TV da extinta Rede Manchete, em algum lugar entre o fim de 1984 e o início de 1985. Mesmo com todo o sucesso, o duo estava com os dias contados.

 

 

O Wham deixou poucas gravações em sua carreira. Somando singles e álbuns, esta produção não chega a trinta canções. Porém, enquanto esteve ativo, foi uma usina de sucessos. Demorou a engrenar na Inglaterra, mas, depois disso, seus três discos forneceram hits permanentes nas paradas da Velha Ilha. O último deles, “Music From The Edge Of Heaven”, lançado em 1986, junto com os últimos shows da dupla, trazia algumas faixas lançadas em formato de single, caso de “I’m Your Man” e “The Edge Of Heaven”, que têm raízes fincadas no pop soul dos anos 1960, sendo que a segunda também é muito afeita ao cânone da Motown. Com o fim das atividades, marcado por um concerto lotado no estádio de Wembley, o Wham saiu de cena e não mais voltou. Andrew tentou investir e correr em equipes de Fórmula 3, enquanto George Michael levaria muito da estética final da dupla para sua vindoura carreira solo, sendo que, seu primeiro álbum, “Faith”, lançado em 1987, soa como uma terapia de autoestima artística para ele, sempre atormentado por questões referentes ao seu valor real como compositor, produtor e cantor. Ainda que o álbum tenha feito sucesso mundial, George mostraria sua relevância no segundo trabalho, “Listen Without Prejudice vol.1”, lançado em 1990. Mais aí já é uma outra história.

 

Em tempo: há um documentário bacana sobre a dupla disponível na Netflix. Vale a pena dar uma olhada, sobretudo no eficiente acervo que o Wham reuniu ao longo do tempo.

 

 

 

Em tempo 2: uma coletânea de singles remixes está diponível nas plataformas digitais, lançando luz sobre a música da dupla, revelando a oscilação entre momentos que envelheceram muito bem e outros nem tanto.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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