Brittany Howard – Jaime

 

Gênero: Funk, rock alternativo
Duração: 35 minutos
Faixas: 11
Produção: Brittany Howard
Gravadora: ATO

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

Brittany Howard, a vocalista do ótimo Alabama Shakes, é uma mulher muito criativa. Além de cantar – e como – à frente de sua banda, ela tem se saído com projetos paralelos bem legais, nos quais desenvolve uma sonoridade muito diferente. Há sua veia punk/rockabilly, que ela cultiva no Thunderbitch – um belo nome de banda – e agora esta sua estreia como artista solo, na qual oferece ao ouvinte um híbrido de psicodelia, funk e blues como há muito não se ouve por aí. Como se não bastasse, Brittany compôs todas as canções de “Jaime”, um disco dedicado à sua irmã mais velha, que morreu há tempos, conferindo um ar biográfico, cheio de sentimentos e intensidade.

 

“Jaime” tem aquela verdade que poucos discos hoje em dia têm. É um trabalho dolorido, meticulosamente pensado e criado por Brittany, num processo que deve ter custado bastante envolvimento emocional. A morte de Jaime, quando Brittany ainda era pré-adolescente, a levou para um mundo de isolamento e dedicação à poesia e ao estudo da guitarra. Podemos dizer que este episódio trágico fez dela uma artista e cantora tão peculiar. Este exorcismo pessoal e sentimental é o motor que dá ao álbum a sua razão de ser e o reveste de verdade e intensidade. Brittany optou por expor sua dor ao público e tal movimento lhe dá crédito, o que é confirmado pela belezura das canções que o disco traz.

 

Nascida e criada no Alabama, filha de pai negro e mãe branca, Brittany não tem qualquer medo de mostrar diferentes nuances de seu universo pessoal – compartilhado com sua irmã enquanto foi possível. Canções como “He Loves Me” e “Georgia” (na qual ela cita o clássico de Ray Charles) dão a dimensão exata do que ela pode render como cantora. O single “Stay High” possibilita um vôo sobre as tradições soul e gospel, nas quais Brittany se mostra fluente e capaz de mostrar marca pessoal, algo raro em estilos tão clássicos e herméticos. Também há um aceno ao moderno jazz que vem sendo feito e confeccionado nos Estados Unidos, através da participação de um de seus maiores arquitetos – Robert Glasper – em “13th Century Metal”, que tem batidas fluidas, teclados psicodélicos imprevisíveis e alternância de vocais.

 

Mesmo que Brittany tenha mergulhado em estilos tradicionais, “Jaime” não soa revisionista em nenhum momento. As canções são produzidas com um propósito de união num mesmo conceito estético, parecendo imersas numa neblina instrumental, numa sonoridade que parece aquática de alguma forma estranha e difícil de explicar. Este resultado dá unidade sonora e se nota até em momentos mais convencionais, caso de “Baby”, uma balada que poderia ser ensolarada e brejeira, mas que parece um passeio numa tarde cinzenta. Outro caso é “Goat Head”, uma lindeza em potencial, devidamente tratada com complexidade pela produção – a cargo da própria Brittany.

 

“Jaime” é um discaço cheio de nuances sonoras, todas esperando pela apreciação do ouvinte mais atento. É um disco feito para quem tem disposição para “investir” pouco mais de meia hora em sua audição, algo que precisa ser feito com dedicação. A recompensa é garantida.

 

Ouça primeiro: “Baby”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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