Blues e soul para corações despedaçados desde cedo
Marcus King – Mood Swings
45′, 11 faixas
(Republic)
Marcus King tem 28 anos. Este lindo “Mood Swings” é o seu sexto disco. Isso mesmo, o sexto trabalho, dois anos antes de completar trinta anos de idade. Explica-se: Marcus, filho do guitarrista Marvin King, começo muito cedo. Aos oito anos já tocava o instrumento do pai na TV e estreou em disco aos dezoito anos. O blues tem desses prodígios, que surgem com certa frequência e constroem carreiras longas e interessantes. Com Marcus não foi diferente: lançou trabalhos mais próximos dos ritmos urbanos dos Estados Unidos do século 21 – levando o estilo, assim como fazem Gary Clarke Jr e Benjamin Booker – para um processo natural de modernização e atualização. O que difere este novo trabalho dos outros lançados por King é o clima de absoluta tristeza, consequência de um relacionamento encerrado há pouco tempo, do qual o jovem emergiu aos frangalhos. Sendo assim, o que temos aqui é música feita com o coração partido, em busca de ressurreição, redenção e outros termos. Para conduzi-lo nesta estrada, King chamou Rick Rubin, que assumiu a produção e o levou pela noite da alma. O resultado: o melhor álbum de Marcus King, fácil.
O mais legal deste álbum é a aproximação total com a soul music do sul dos Estados Unidos, especialmente dos selos Stax, Volt e Hi. A área de atuação de gente como Al Green, William Bell, O.C Smith, com pitadas de Philly Soul, feito pela turma da gravadora Philadelphia International, nos anos 1970. São dois caminhos confortáveis esteticamente, porém doloridos e que cobram muito de quem se aventura a buscar essas sonoridades, especialmente alguém ainda tão jovem. Com a ajuda de Rubin, Marcus não se intimidou e, ótimo guitarrista e cantor que é, mergulhou fundo das águas lamaçentas dos assuntos do coração, diposto a exorcizá-los com o máximo de intensidade possível. Rubin é aquele produtor que consegue deixar o artista à vontade, ganha sua confiança e, como tem conhecimento enciclopédico de música, apresenta alternativas e possibilidades com naturalidade. A parte soul de “Mood Swings” é, não só a melhor, como a grande distinção presente nas onze faixas.
A gente costuma dizer que porradas da vida são essenciais para a arte e este álbum é uma dessas provas incontestáveis. Com os vocais limpos e emocionados, Marcus vai narrando várias histórias de relacionamentos falidos, amores impossíveis e cruéis e algumas análises que mostram um senso de humor que, em meio ao furação emocional vigente, consegue rir de si mesmo. As citações e referências dão foco e profundidade às canções e o resultado é belo e muito respeitável. A faixa de encerramento, “Cadillac”, tem um arranjo de cordas capaz de emocionar uma pedra, e confere um pedigree estilístico que remonta diretamente à gravação de Brook Benton para “Rainy Night In Georgia”, mesmo que o arranjo não seja nostálgico, pelo contrário, é cheio de vozes sampleadas, idas e vindas, uma verdadeira odisseia de bolso.
A faixa-título, que abre o álbum, tem o arranjo calcado numa bateria eletrônica, que serve de base para guitarras, cordas e vocais brincarem de quem soa mais alto e bonito. “Fuck My Life Up Again”, como o título já diz, não economiza em verdade e sofrimento, e ganha a força de mil atmosferas em meio ao arranjo de cordas, pianos e percussões que Rubin e King bolaram. “Delilah”, balada soul gospel solene, surge no meio do álbum e faz lembrar de Joe Cocker, Paul Rodgers e gente desse tipo. A ótima “Bipolar Love” vai crescendo aos poucos e envolvida pela narrativa dilacerada de King e mais cordas que pairam sobre a letra para desaguar num solo cortante. E tem a suingada “Me Or Tennessee”, quase no fim do disco, surgindo para mostrar que dor e tristeza podem ser exorcizadas numa suadeira dançante em algum lugar.
“Mood Swings” é disco de 2024 com referências universais. Vai agradar em cheio a quem gosta de música bem feita, arranjada, pensada e revestida por uma narrativa coerente, ainda que dolorida. E Marcus ainda não completou trinta anos…Discaço.
Ouça primeiro: “Me Or Tennessee”, “Bipolar Love”, “Delilah”, “Fuck My Life Up Again”, “Cadillac”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.