Laura Marling – Song For Our Daughter

 

 

 

Gênero: Folk

Duração: 36 min.
Faixas: 10
Produção: Laura Marling e Ethan Johns
Gravadora: Chrysalis/Partisan

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

Empatia. Esta foi a primeira palavra que me veio à mente enquanto escutava o sétimo disco da trovadora inglesa Laura Marling. Surgida como um prodígio folk aos 18 anos, Laura, hoje aos trinta, é uma discreta e sensível força criativa no cenário mundial. Ela tem uma capacidade incrível de imprimir verdade em seus trabalhos e com este “Song For Our Daughter” não é diferente. A ideia é simples e complexa, de forma paradoxal: fazer um disco com canções que ela cantaria para sua filha. O que torna tudo mais, digamos, difícil, é que Laura não tem filhos. Talvez vá ter, sabe-se lá. O fato é que o conceito por trás de seu ramalhete de dez faixas é prover esta criança imaginária de conhecimento, conselho, dicas e toques para não se ferrar neste mundo tão hostil às mulheres inteligentes e com opiniões. A empatia do início do parágrafo é sobre mim. Durante muito tempo na minha vida eu quis ter uma filha e certamente usaria a música – não minha, por motivos de inabilidade – para ensiná-la de todo o necessário.

 

Laura co-produz o disco com Ethan Johns, que pilotou o estúdio para seus três primeiros trabalhos. Gravado num estúdio caseiro, no porão de sua casa em Los Angeles, “Song…” é um disco amarrado por este conceito, digamos, didático, mas esconde uma razão ainda mais interessante, que fornece uma outra camada de informação. Laura usa sua própria experiência de vida, suas carências, o que lhe faltou de conhecimento – nunca é bastante, certo? – para evitar as trombadas da vida. Usando a si mesma como parâmetro e exemplo, ela começa a transmitir este conhecimento acumulado em trinta anos de vida para o próximo. Pode ser um filho, uma filha ou o ouvinte. É justo a empatia que irá decidir.

 

A empreitada é bela e afetuosa, mas Laura não exagera na solenidade. São dez canções conduzidas por voz e violão, com algumas intervenções de bateria/percussão e cordas, dando origem a um ciclo impressionista de paisagens e situações da vida, como o bom folk deve ser. Mais que contar histórias suas, Laura vai buscando no conhecimento comum, pertinente a uma mulher de 30 anos, suas vivências e vai identificando o ouvinte, seja com o gesto, seja com os relatos. As canções são diferentes entre si, bastante, ainda que estejam todas dentro do mesmo parâmetro de folk econômico e esparso. As referências vêm de vários lugares, como em “Alexandra”, faixa que abre o disco, cujo nome é emprestado de uma velha canção de Leonard Cohen, “Alexandra Leaving”, de 2001.

 

Há momentos realmente belos por aqui, especialmente aqueles em que a moldura musical consegue igualar o nível de beleza das letras. “Held Down”, por exemplo, tem arranjo e melodia muito próximos do alt-folk do início dos anos 2000, com lindeza de arranjos vocais e bateria destacada em meio à belezura instaurada. “Only The Strong”, com batida sincopada de violão e vocais celestiais, chega como se fosse uma forma de conselho sobre a vida – “só o forte sobrevive”. A faixa-título e “Fortune”, cada uma a seu jeito, declaram o propósito da própria Laura e do disco, juntando traços de Joni Mitchell, lirismo urbano contemporâneo, frustrações diversas e um desejo imenso de ter existido diante dos próprios olhos. O violão e as cordas conduzem ambas as canções, com oscilações de beleza, tristeza e esperança. Ou o contrário.

 

Laura Marling vem provando ser muito mais que uma sensação pós-adolescente do folk. Ela tem grande habilidade para converter experiências pessoais em combustível para encantar o ouvinte pela sinceridade e capacidade de se colocar no lugar dele. E vice versa. Como eu disse lá no início do texto: empatia.

 

Ouça primeiro: “Held Down”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *