Laetitia Sadier e a Volta do Stereolab

O BrExit, os eventos na França com os Gilets Jaunes (Coletes Amarelos), a eleição de Bolsonaro no Brasil, sem mencionar o Sr. T nos EUA, estão revelando um sistema que interrompeu o desenvolvimento da humanidade – Laetitia Sadier

Stereolab me lembra a saudosa redação da Rock Press, lá em meados dos anos 1990. A banda anglo-francesa era uma das poucas formações desvinculadas de qualquer movimento estético daquela década. O grupo, liderado pela cantora Laetitia Sadier e pelo multimúsico Tim Gane, surgiu como um elo perdido entre o futuro que não acontecera e o passado que não mais existia. Fazia música otimista com crítica social e procurava valorizar uma mistureba musical que ia de Mutantes a pop francês, de música eletrônica setentista à Bossa Nova, passando por Burt Bacharach, Beach Boys e easy listening. Era como se estivéssemos tomando coquetéis coloridos à beira da piscina do mais luxuoso resort de Marte. Ou de uma das luas de Júpiter.

O Stereolab é dono de uma carreira irrepreensível, composta por onze discos e um monte de singles e EPs. Sete destes álbuns serão relançados em versões remasterizadas e em múltiplos formatos, cheios de faixas bônus e versões alternativas. Para isso, a banda está em turnê, algo que não fazia desde 2009.

Para saber um pouco disso tudo e realizar um velho sonho, Laetitia Sadier, uma verdadeira dama gaulesa, respondeu a perguntas sobre presente, passado e futuro do grupo, não necessariamente nesta ordem.

 

– Quando o Stereolab surgiu no início dos anos 90, o mundo vivia um período de profundas mudanças com o fim da URSS. Como essa época influenciou você em sua busca por um pop retrofuturista perfeito?

Não tenho certeza se, exatamente e analiticamente, poderíamos descrever até que ponto o mundo exterior e as circunstâncias influenciaram nossa música. Provavelmente muito. Somos um grupo bastante otimista de pessoas e temos consciência de que a arte é uma maneira de influenciar e ocupar o campo do imaginário, “l’imaginaire”, que por sua vez pode ter uma influência determinante no resultado de como as coisas e os eventos vão se desenvolver na vida real. As coisas só existem agora porque alguém foi capaz de imaginá-las em primeiro lugar. Assim, pode-se dizer que a arte pode assumir esse papel inicial na existência de assuntos e eventos, sejam eles pequenos, pessoais ou históricos.

 

– Como surgiu a ideia do retorno? Tim Gane tem sua banda, você tem seus projetos como cantora … Vocês sentiram saudade do palco e das turnês ou há planos para músicas e álbuns inéditos?

Eu não senti falta das turnês ou de gravações nos últimos dez anos. Compus e gravei quatro álbuns e excursionei extensivamente ao redor do mundo, sozinha ou com minha banda Laetitia Sadier Source Ensemble. Tim gravou mais algumas músicas também.Na verdade, a Warp comprou o catálogo de sete discos do Stereolab na gravadora Elektra, e está relançando-os em parceria com a nossa própria gravadora, a Duophonic UHF Disks. Trabalhamos bastante na remasterização e nas novas versões “deluxe” dos discos, já que a tecnologia progrediu bastante no campo da qualidade do som. Alguns dos registros originais não soavam bem e sentimos que poderíamos fazer mais por essas gravações Tim sentiu que era hora de fazer uma turnê em apoio a essas reedições.

 

– A banda está voltando com a mesma formação de 2009?

Chegamos a ter um sexto membro no passado, às vezes até um sétimo. Desta vez é um “Groop” de cinco integrantes. É a mesma formação, com Tim (Gane, guitarrista, multinstrumentista), Andy (Ramsay, baterista, tecladista, ), Simon (Johns, baixista), Joe (Watson, baterista, tecladista) e eu.

 

– Você é uma pessoa (e uma artista) politizada. Como você vê a situação no mundo hoje?

Tenho medo mas também tenho uma grande expectativa de grandes mudanças positivas à frente. O mundo como está hoje é bastante sombrio. Mas ele é sintomático do fato de que ainda não entendemos e aceitamos essa nossa escuridão e ainda estamos em um grande processo de aprendizado.

 

– Qual a sua opinião sobre o BrExit e os eventos na França?

O BrExit, os eventos na França com os Gilets Jaunes (Coletes Amarelos), a eleição de Bolsonaro no Brasil, sem mencionar o Sr. T nos EUA, estão revelando um sistema que interrompeu o desenvolvimento da humanidade e está nos fazendo retroceder para algum tipo de tempo sombrio. Isso leva à corrupção e decadência geral. Acho que não podemos nos sustentar e ao planeta por muito mais tempo sob as leis do Neoliberalismo. Se as pessoas estão se voltando para a política popular é porque querem romper com uma classe política que não lhes serviu – a população em geral e as classes mais baixas em particular. Esta classe política tem servido às grandes instituições financeiras e algumas grandes empresas. Precisamos dar uma guinada profunda se quisermos sobreviver e viver bem. Nós temos que crescer! Nós temos que cooperar.

 

– Você se lembra da vinda do Stereolab para o Rio em 2000? Como foi pra vocês?

Sim, muito bem. Foi a única vez que tocamos ou fomos ao Rio, e vivemos uma tremenda experiência, visitando um artista que vivia nas favelas e que desenvolvia projetos artísticos com seus vizinhos para tentar diminuir as grandes desigualdades sociais lá em cima. Nós tocamos em um cinema antigo (o Cine Íris, no Centro do Rio), que nos disseram que exibia filmes pornôs o dia todo. A atmosfera estava muito quente mesmo na noite do show. Ficamos muito animados porque ouvimos falar que o Pedro Almodóvar e o Caetano Veloso foram ver o show. Mas nós não os vimos na festa depois, eles devem ter ido embora ou algo assim. O Rio foi divertido. No dia seguinte, tivemos que voar de volta para o Reino Unido e lembro-me especificamente de não querer voltar. Eu me apaixonara
perdidamente pelo Brasil.

 

– A banda vai relançar os sete álbuns que gravou pela Elektra, entre 1992 e 1999. Você tem algum favorito entre eles?

Eu amo muito “Cobra and Phases Group Play Voltage in the Milky Night”, de 1999. Também adoro o “Dots And Loops”, de 1997.

 

– Sua música parece vir do tempo em que as pessoas pareciam sonhar com um futuro melhor. O que deu errado com o futuro?

O futuro dirá. Espero que não haja nada de errado com o futuro. O problema é, obviamente, como percebemos isso e a mídia está fazendo um bom trabalho em manter todos com medo. E funciona, sentimos fortemente a polarização política no momento.

 

– O que você está ouvindo? Novas bandas? Bandas antigas? Novos / antigos cantores / compositores?

Eu descobri no ano passado uma grande banda de venezuelanos radicados em Paris, chamada Insólito Universo. Ouvi pela primeira vez seus discos e os vi ao vivo. Eles são incríveis. E cada vez que eu os apresento para um amigo, ele é enfeitiçado. Eu gosto de ouvir jazz ao vivo, principalmente quando os músicos se prestam a ter diálogos entre si no palco. Isso leva a experiência para outros níveis. E eu amo Julien Gasc, que é francês, mas tem uma parte da alma brasileira. E seu próprio charme.

 

– Como você vê a questão do streaming? É um caminho sem retorno?

Provavelmente. Mas só até a próxima plataforma ser inventada.

 

– Eu já usei “Ping Pong” na sala de aula – sou professor de história além de jornalista – para explicar o neoliberalismo. Como surgiu a ideia de escrever e composição?

Adorei essa ideia! E para onde o neoliberalismo leva? Temos que continuar nos movendo para que a geada não nos soterre. Não podemos ficar parados.

 

– Alguma chance de ver vocês aqui no Brasil neste retorno ao palco?

Isso seria fantástico. Podemos ser convidados…vamos ver o que o futuro nos traz.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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