Jeitos nada estúpidos de não desistir do Brasil

 

 

 

Eu tenho um perfil no Instagram sobre livros onde posto duas vezes por semana vídeos em que falo de alguma leitura em especial. O último deles foi sobre a escritora santista Maria Valéria Rezende, vencedora dos prêmios Jabuti e São Paulo de Literatura.

 

Várias pessoas comentaram que ainda não a conheciam e se interessaram pelos seus livros, minha mãe foi uma delas. A fala que mais me chamou a atenção, entretanto, foi a da dona de um perfil que afirmou que nos apegamos muito a livros de autores estrangeiros.

 

Pelas ironias da vida, vou pedir ajuda a um escritor brasileiro para mostrar a vocês o quanto fiquei incomodada com tal comentário. Com vocês, Nelson Rodrigues, direto da sua crônica Complexo de Vira-latas.

 

“Por complexo de vira-latas entendo a inferioridade em que o brasileiro se coloca voluntariamente em face do resto do mundo. Isto em todos os fatores, sobretudo no futebol “

 

Nelson lançou a definição do complexo de vira-latas no seu texto em que fala sobre o sentimento de autopiedade e insegurança que invadiu os brasileiros depois da derrota do Brasil para o Uruguai no fim da copa de 1950.

 

Muito espertinho que era, já mandou a real: o futebol é apenas um dos campos em que somos driblados pela depreciação de tudo o que somos capazes de realizar.

 

Existem perfis literários de todos os jeitos no Instagram e para todos os gostos.  A tal pessoa que comentou no meu vídeo somente constatou o que eu reparo há tempos: na maioria deles, muita empolgação por livros gringos que tantas vezes não passam de bombas cheias de clichê e mal escritas e estranheza quando quebramos tal padrão para falar que o Brasil tem nos dado milhões de motivos para desistir, mas que a literatura definitivamente nunca foi e não é um deles.

 

E então por que é que nunca recebemos um Prêmio Nobel, feito já conseguido por Peru, Colômbia e Chile, com Mario Vargas Llosa, Gabriel Garcia Marquez e Gabriela Mistral, respectivamente?

 

Existem fatores como a escrita em português, o baixo hábito da leitura literária entre a população e um citado por Ozires Silva, cofundador da Embraer e ex-ministro da Infraestrutura em uma entrevista ao Roda Viva:

 

“Em um jantar, em Estocolmo, eu vi que eu tinha, de repente, três membros do comitê que indica os prêmios Nobel. Daí, fiz esta pergunta para eles. Eles não responderam imediatamente, porque acho que ficaram meio embaraçados, mas acho que, depois de umas doses de vodca e coisas desse tipo, um deles falou o seguinte: ‘vou responder sua pergunta. Vocês brasileiros são destruidores de heróis.Olha, foi uma pancada no estômago. Falei ‘por quê?’ Ele falou que todos os candidatos brasileiros que apareceram, contrariamente aos dos outros países, em particular os Estados Unidos, quando aparece um candidato brasileiro, todo mundo joga pedra do Brasil. Não tem apoio da população. Parece que o brasileiro desconfia do outro ou tem ciúmes do outro, sei lá o que acontece.”

 

Precisamos do reforço do Nelson Rodrigues aqui:

“O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol pra dar e vender, lá na Suécia”

 

Tem muita gente boa mostrando literatura pra dar, vender, transformar e ir mais longe que a Suécia. Maria Valéria anda bem acompanhada por Aline Bei, Alice Ruiz, Itamar Vieira Junior, Jarid Arraes, Eliana Alves Cruz, Ronaldo Correia de Brito, Jefferson Tenório, Ignacio de Loyola Brandao, João Ubaldo, Ana Paula Maia, Daniel Galera, Conceição Evaristo e tantos outros e outras que podem não ter chegado à cerimônia do Nobel, mas trilham caminhos corajosos com suas palavras.

 

Os dias têm sido reativos, assustadores e desesperançados para nós que vivemos no Brasil, mas é importante que ao invés de darmos costas à arte que dá a ele uma luz que não se apaga com nenhuma truculência e retrocesso, invoquemos Nelson Rodrigues e não deixemos o cansaço tirar de nós a capacidade de admirarmos e conhecermos uma das coisas mais bonitas que esse território doente ainda é capaz de nos dar.

 

Confie na literatura brasileira.

 

Vira-latas de respeito, meus queridos, é o caramelo.

 

 

 

Debora Consíglio

Beatlemaniaca, viciada em canetas Stabillo e post-it é professora pra viver e escreve pra não enlouquecer. Desde pequena movida a livros,filmes e música,devota fiel da palavras. Se antes tinha vergonha das próprias ideias hoje não se limita,se espalha, se expressa.

3 thoughts on “Jeitos nada estúpidos de não desistir do Brasil

  • 2 de março de 2021 em 19:21
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    Este texto…senti vontade de compartilha-lo com todos! Muito adequada análise. Este complexo de vira-latas está enraizado…meus alunos do 6 ano vem desqualificando o Brasil e brasileiros, repetindo o que ouvem em casa….vamos iluminar o futuro! Textos como esse nos fazem “click”, são lanternas que nos estimulam a buscar mais luz. Obrigada!

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    • 4 de março de 2021 em 17:08
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      Muito obrigado pela resposta! Vamos resistir.

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  • 25 de fevereiro de 2021 em 15:46
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    ” Parece que o brasileiro desconfia do outro ou tem ciúmes do outro, sei lá o que acontece.”, entre outras coisas diz muito sobre o nosso caráter, independente disso estamos ai, sobrevivendo…!!!!

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