Jarvis Cocker colabora com cineasta Wes Anderson em novo disco

 

 

Jarvis Cocker – Chanson d’Enniu Tip-Top

Gênero: Pop

Duração: 43:52 min.
Faixas: 12
Produção: Jarvis Cocker e Jason Buckle
Gravadora: ABKCO

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

Este é um dos discos mais legais de 2021. Trata-se de um álbum de versões de canções do pop francês, gravadas nas décadas de 1960 e 1970. No comando da seleção das músicas, da produção e da coisa toda, estão Jarvis Cocker, ex- vocalista do Pulp e o cineasta americano Wes Anderson. A relação entre os dois, ainda que pareça meio inexplicável, tem uma razão de existir: Cocker foi convidado por Anderson para dar as caras como ator em seu mais recente filme, “The French Dispatch”, encarnando um popstar francês: Tip Top. E na pele deste hipotético cantor, Cocker registrou uma versão de “Aline” para a trilha sonora do longa. O original, gravado por Christophe em 1965, é um dos grandes clássicos do pop francês, um gênero menos conhecido do que deveria. A versão ficou tão bacana que Anderson sugeriu que Cocker gravasse um disco inteiro como Tip Top e aqui está o resultado: doze versões, incluindo “Aline”, desta variante musical tão subestimada, revistas pela persona musical de um dos vocalistas mais peculiares do rock britânico dos últimos tempo. O resultado é sensacional.

 

De alguma forma misteriosa, tanto Anderson quanto Cocker têm alguma coisa a ver com este intervelo temporal, entre os anos 1960 e 1970. Foi um período tão culturalmente rico e definitivo em termos históricos que parece uma fonte inesgotável de informações e detalhes que ainda não foram devidamente assimilados, a tal ponto de comportar tantas releituras e reinterpretações. E quando surge uma tão caprichada como este disco, a tendência maior é funcionar e esclarecer muita coisa. Sendo assim, a dupla escolheu essas doze faixas com a noção de que, além de serem canções maravilhosas e emblemáticas do pop francês, elas poderiam ser revistas no estúdio com precisão matemática mas também com a devida noção de que deveriam ser trazidas para o nosso tempo. Sem falar na responsabilidade que este disco contém, uma vez que é o primeiro trabalho solo de Jarvis Cocker em doze anos, descontando os discos mais recentes (um em colaboração com Chilly Gonzalez e outro com uma banda de art-pop chamada JARV IS).

 

Toda a esquisitice que Cocker suscita como personagem surgido de algum conto inglês obscuro sobre gente que passa mais tempo lendo livros do que vivendo, de fato, a vida, está presente em cada instante do álbum. Com muitos vocais sussurrados, que emulam os registros de gente como Serge Gainsbourg, Jacques Dutronc ou mesmo Alain Delon, Cocker vai executando clássicos gauleses sem qualquer cerimônia, se dando ao luxo de soar tão maravilhoso como os registros originais em alguns casos. Por exemplo, a bossa-pop de “Paroles Paroles”, registrada em 1973 por Dalida e pelo ator Alain Delon, ressurge aqui com Cocker tentando seduzir uma irredutível Laetitia Sadier, que recusa suas promessas de amor infinito e mundo perfeito. Funciona que é uma lindeza e ainda retém aquele clima de “Almoço Com As Estrelas”, que apenas os mais velhuscos saberão do que se trata.

 

Além dela, estão ótimas as versões de “Amour, je te cherche”, de Nino Ferrer e Radiah, evocando o drama e o mistério num arranjo que é puro pop barroco com ares de trilha sonora obscura. “Contact”, a faixa número dois, é uma releitura precisa do original de Gainsbourg, imortalizado por ninguém menos que Brigitte Bardot no mítico ano parisiense de 1968, enquanto a psicodélica “Mao Mao” é uma remanescente do filme “La Chinoise”, de Jean-Luc Godard, realizado em 1967. Outra faixa cujo original foi incluído em trilha sonora é “Requiem pour un con” outra canção de Serge Gainsbourg, presente em “Le Pacha”, de 1968, mas há coisas mais ingênuas e fofas, como a Françoise Hardy de 1964 presente no original de “Mon Ami La Rose”. Fechando os trabalhos, a tal versão de “Aline”, que está na trilha oficial de “The French Dispatch”.

 

“Chansons d’Enniu Tip Top” é um OVNI sonoro para um cenário como o Brasil de 2021. Parece, de fato, algo feito por uma outra civilização, num outro tempo e lugar. E realmente é isso aí, um passaporte para conhecer um novo universo, mais interessante. Vá sem medo de errar.

 

Ouvir primeiro: “Contact”, “Paroles Paroles”, “Aline”, “Mon Ami La Rose”, “Mao Mao”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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