E o Simply Red, gente?

 

 

A pergunta me veio à mente por esses dias, enquanto eu ouvia uma coletânea de remixes que o grupo inglês lançou, com o título: “Simply Red – Remixed Vol. 1 [1985–2000]”. Nela estão contidas 22 faixas, que compreendem o intervalo mencionado no título, correspondente ao que podemos chamar de “melhor fase do Simply Red”. Entre estes remixes, sete são inéditos e todos mostram dois fatos: a band sempre teve ótimas composições e noção de modernidade pop em seu tempo. Aliás, é preciso dizer que, durante estes 15 anos que a coletânea aborda, o grupo de Manchester foi um dos maiores hitmakers mundiais. A gente tende a achar que, por exemplo, 1991 foi o “ano do grunge” ou o “ano do disco preto do Metallica” mas, se ligássemos o rádio naquele tempo, as chances de ouvirmos “Stars” e “For Your Babies” eram imensas. E isso acontecia desde 1986, quando a face branca, sardenta e ruiva do vocalista Mick Hucknall surgiu no mapa da música, cantando a balada “Holding Back The Years”.

 

Nestes quinze anos, o Simply Red lançou sete álbuns, com o filé mignon concentrado nos cinco primeiros. Formado em 1984, o grupo apostava numa variação polida do que se entendia por “new-bossa”, um forma de rock/pop sofisticada e com pitadas de jazz e/ou latinidade/brasilidade que gente como Style Council e Everything But The Girl faziam. Só que o Simply Red era uma criatura mais voltada para as paradas de sucesso, com arranjos, composições e pinta de quem não havia nascido para ser alternativo sob qualquer ponto de vista. De fato, o grupo, inicialmente formado por Mick Hucknall (vocais), Fritz McIntyre (teclados e voz), Tony Bowers (baixo), Chris Joyce (bateria), Tim Kellett (teclados), tinha em mente fazer um pop soul de qualidade, com influência nítida do som que a gravadora Stax fazia no fim dos anos 1960. Além disso, passava no radar do grupo fazer covers soul de um monte de artistas bacanas, que, muitas vezes, passaram despercebidas do público.

 

 

Por exemplo, o ótimo disco de estreia, “Picture Book”, de 1986, cravou uma delas na parada de sucesso: “Money Too Tight To Mention”, composta e gravada pelos Valentine Brothers anos antes. E, além dela, também trazia uma releitura r&b clássica de “Heaven”, faixa de ninguém menos que o Talking Heads. E, para completar, as composições próprias também eram de ótima qualidade, caso da já citada “Holding Back The Years” e de “Jericho”, “Come To My Aid” e “Look At You Now”. A partir da definição deste modelo de som e de álbum, o grupo deu partida em uma carreira solo vencedora. No ano seguinte estavam lançado o segundo trabalho, “Men And Women”, que veio turbinado pelo hit “The Right Thing” e continha belezuras mais ou menos ocultas como, por exemplo, a balançada “Infidelity” e a cover impressionante de “Ev’rytime We Say Goodbye”, da autoria de Cole Porter. Foi divulgando este disco que o grupo veio ao Brasil pela primeira vez, para tocar no Hollywood Rock, em 1988.

 

 

O terceiro disco, “A New Flame”, de 1989, foi o que deu ao Simply Red o seu maior sucesso radiofônico até então: a cover de “If You Don’t Know Me By Now”, do americano Harold Melvin & The Bluenotes, safra 1972. A voz de Hucknall, ainda que inferior aos registros originais dos craques da Philadelphia International, era capaz de segurar a onda no terreno do soul mais clássico e o resultado foi uma gravação bastante digna. Além disso, a banda passaria por mudanças internas, fato que possibilitou, por exemplo, a chegada do guitarrista niteroiense Heitor TP, que assumiria o instrumento até meados dos anos 1990. Foi com ele que a banda entrou em estúdio para gravar seu quarto e mais bem sucedido disco: “Stars”.

 

 

Quem estava no planeta naquele 1991 não poderia escapar das faixas que mencionamos no início do texto: “Stars” e “For Your Babies”. Duas baladas, cada uma a seu jeito, capazes de mostrar que o grupo mantinha intacta seu talento para canções mais lentas, mas, uma ouvida mais atenta a outro clássico do álbum, “Something Got Me Started”, que abria o álbum, mostrava que o grupo incorporara batidas eletrônicas e estava atento ao que havia de mais moderno na música dançante daquele tempo. Os pianinhos house que esta gravação contém são a prova mais efetiva disso. E, como se não bastasse, o Simply Red demonstrava desde o primeiro disco uma afeição grande pelos remixes, que vinham sob a forma de lados-B de singles, mas que viriam a integrar os discos quando estes foram relançados em edições especiais no fim da década de 2000. Falando nisso, “Stars” foi o único lançamento deles para a gravadora Warner que recebeu o relançamento como “Collector’s Edition”, contendo um disco-bônus de material inédito, com remixes, gravações ao vivo e demos.

 

 

Esta sonoridade mais eletrônica estava presente no disco anterior, o ótimo e subestimado “Life”, de 1995, o último com Heitor TP e com o tecladista fundador Fritz McIntyre. É um trabalho menos badalado que “Stars”, mas com uma excelente coleção de canções e tem três hits de alto nível: “Fairground”, que conta com percussão brasileira sampleada e uma melodia infecciosa, ostentando também os pianinhos house que estavam ainda no radar àquela época. “Never Never Love”, que tem uma batida meio Soul II Soul, com melodia que lembra alguma canção que você nunca ouviu – mas jura que ouviu – e um arranjo dolente, malandro. E, fechando esta trinca de belezuras, “So Beautiful”, que tem uma estrutura que teima em lembrar algo de “Walk On The Wild Side”, de Lou Reed. Estas canções formam a espinha dorsal de “Life”, um discaço perdido entre tantos bons trabalhos do pop mais comercial dos anos 1990.

 

 

Os outros dois álbuns que fecham esta primeira fase do Simply Red, “Blue” (1998) e “Love And The Russian Winter” (1999), trouxeram a noção de que a banda era, àquela altura, um veículo para que o vocalista Huckanall aparecesse. A sonoridade passou a se repetir e naufragar numa certa mesmice pop, ainda que o grupo viesse com algumas gravações legais, caso da inesperada cover de Neil Young, em “Mellow My Mind” e em outras duas releituras: “The Air That I Breathe”, dos Hollies e de “Night Nurse”, clássico de Gregory Isaacs que chegou a ganhar uma versão de Jah Wobble em um remix esperto na época. Estas três faixas estavam contidas em “Blue”, enquanto “Love And The Russian Winter” tem o seu maior atrativo numa tentativa de modernização sonora meio estranha, incorporando eletrônica e deixando um pouco a desejar. O hit deste álbum, “Ain’t That A Lot Of Love” é uma trilha sonora perfeita para a festa da agência de publicidade no fim do ano.

 

 

A partir do próximo álbum, “Home”, lançado em 2002, o Simply Red viria a repetir a sonoridade mais eletrônica, assinando um hit chamado “Sunrise”, caracterizado por um dos usos mais descarados de um sample em todos os tempos, pilhando quase toda a estrutura de “I Can’t Go For That”, de Hall & Oates. Além dela, a versão de “You Make Me Feel Brand New”, dos Stylistics, foi o outro sucesso deste álbum. Só que o grupo abraçou uma série de escolhas duvidosas, como discos ao vivo com orquestras, acústicos, com acentos latinos, regravações das próprias músicas e chegou a encerrar atividades em 2007, retornando anos mais tarde. O que fica de certeza é que os primeiros discos que o Simply Red lançou, entre 1985 e, vá lá, 2000, constituem uma sólida obra de pop soul de qualidade, na qual se destaca, além da ótima voz de Mick Hucknall, um grande talento para compor e arranjar ótimas canções.

 

 

Essa coletânea “Simply Red – Remixed Vol. 1 [1985–2000]” é um ótimo ponto de partida para ver o quanto a banda acabou por produzir faixas com potencial dançante sem soar forçado. E como ela teve a sorte de ter ótimos remixadores trabalhando em parceria, a saber, Paul Oakenfold, David Morales, Arthur Baker, Jah Wobble, entre outros. Conheça. Você vai gostar.

 

 

Em tempo: Fritz McIntyre, um dos fundadores do grupo, morreu em 24 de agosto deste ano, aos 62 anos.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

One thought on “E o Simply Red, gente?

  • 10 de novembro de 2022 em 22:40
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    Ótima análise. Realmente, a fase de 85 a 2000 foi indiscutivelmente a melhor da banda. Life, Stars e A New Flame são os meus álbuns favoritos. Mas vamos combinar que Home – álbum de 2003 – é incrível.

    E acho que quando eles pararam, em 2007, não tinham razão pra voltar. Os melhores trabalhos já tinham sido feitos e momento pra algo novo já havia passado. Claro que Mick é um vocalista muito acima da média. O cara é um dos melhores do mundo e seus shows são maravilhosos. Então, por isso talvez tenha valido a pena.

    Mas Simply Red é uma das minhas bandas favoritas da vida (sério, entra no meu top 5 tranquilamente), mora no meu coração e eu escuto sempre, não importa o que eu esteja fazendo.

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