Idles: punk confuso em tempos confusos

 

 

 

 

Idles – Tangk
40′, 11 faixas
(Partisan)

3.5 out of 5 stars (3,5 / 5)

 

 

 

 

 

Talvez muitos não saibam, mais o Idles é a banda inglesa alternativa mais bem sucedida da atualidade. Muitos perguntarão “em que sentido” e eu responderei que tal afirmação acontece por conta da clareza de propósitos e transformação disso em música. O grupo liderado pelo vocalista e guitarrista Joe Talbot é uma pequena força da natureza, conseguindo canalizar agressividade legítima com informação e postura antissistema, algo que, a meu ver, ainda é absolutamente necessário quando alguém se dispõe a fazer o que o Idles faz. São vozes importantes nas questões sociais recentes no Reino Unido, especialmente o BrExit e as críticas constantes ao escoamento de grana e recursos públicos para a manutenção da monarquia. Tudo isso acontece em meio a uma assinatura sonora pós-punk enraivecida, guitarreira, porradeira, feita para espaços abertos tanto quanto para audições contínuas via fones de ouvido, descontando – quem sabe – a raiva de ficar horas em pé na condução, trabalhar muito por pouco e em funções que nada acrescentam. Ou seja, o mundo atual, pós-contemporâneo, capitalista selvagem, injusto e, na maioria das vezes, escroto.

 

Sendo assim, “Tangk” é o novíssimo rebento do Idles, que dá continuidade a um processo de mudança sonora, iniciado já nos dois trabalhos anteriores, “Crawler” (2021) e “Five Years Of Brutalism” (2022). Este último, totalmente voltado para as impressões de Talbot após perder sua mãe, que penou por cinco anos com sequelas advindas de um AVC. Agora, com “Tangk”, o Idles confirma um período sempre delicado para bandas que já têm certo tempo de estrada, o da “evolução x mudança x relevância”, algo que pode ser bastante espinhoso. Para ajudar na condução da nave durante a tormenta, a banda chamou o produtor Nigel Godrich para compor o time que produz o álbum, junto com Kenny Beats e o guitarrista da banda, Mark Bowen. O resultado é um trabalho que vai em direções opostas ao que o Idles vinha fazendo e proponto. É um disco mais diverso, especialmente triste e meditativo, ainda que contenha algumas canções totalmente sintonizadas com o que sempre fizeram. Mas, até que ponto essa evolução x mudança x relevância é necessária?

 

Se ouvirmos “Tangk” do início ao fim, munidos com uma hipotética balança medidora de sons, mais da metade do álbum pende para o lado das canções mais lentas e contemplativas. O maior exemplo disso é a bela “A Gospel”, uma canção que lembra os primeiros momentos do Coldplay, ainda independente e triste, devidamente depurado de qualquer afetação. Tem cordas, pianos, arranjo cuidadosamente pensado e executado, mostrando uma faceta ainda não revelada do Idles. Mas isso soa relevante, sob o ponto de vista da mudança? Não sei. Assim como ela, “Monolith”, a canção de encerramento, soa soturna e estranha, ainda que esta não seja tão amistosa e bela quanto a anterior. “Gratitude” também soa diferente, mas, especialmente por um arranjo meio “roda presa”, que não evolui como deveria.

 

Há momentos de perda absoluta de tempo, caso de “POP POP POP”, canção que se pretende dançante, mas que também não avança no arranjo e fica na promessa de uma explosão de refrão ou instrumental que nunca chega. “Roy”, por sua vez, soa mais próxima do rock psicodélico sessentista, chegando a lembrar vagamente algo que o Deep Purple original, pré-“Smoke On The Water”, tavez fizesse. Mas, nem tudo é complicado em “Tangk”. Há um quarteto de faixas que oferecem felicidade e familiaridade para o fã mais antigo. O single “Gift Horse”, que tem um “fuck the king” no refrão, é bacana, ainda que soe meio tolo em tempos como os atuais. “Dancer”, que tem colaboração do LCD Soundsystem, é um racha-assoalho irresistível, no qual coexistem timbres de baixo do New Order, punk garageiro eletrônico do início dos anos 2000 e uma letra cantada com sotaque caricato, tudo no lugar certo. E a grande faixa do álbum, “Hall & Oates”, uma porrada de menos de dois minutos e meio, feita para a dança descerebrada, como convém em casos assim.

 

“Tangk” é mais um disco de transição sonora na carreira do Idles. Pessoalmente falando, prefiro a banda incendiando o palco com porradas dançantes e barulhentas, mas, caso enveredem por um momento mais contemplativo – que já chegou – é preciso um pouco mais de afinco e fluidez. De qualquer maneira, o grupo tem crédito de sobra.

 

 

Ouça primeiro: “A Gospel”, “Hall & Oates”, “Dancer”, “Gift Horse”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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