Brittany Howard, a não-Beyoncé

 

 

 

 

Brittany Howard – What Now
38′, 12 faixas
(UMG)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Existem as mega-ultra-super-popstars. E existem artistas menores, mais tangíveis, até mais humanos. Brittany Howard, ainda que tenha uma voz privilegiada e um talento impressionante para compor e tocar, é uma dessas pessoas com cara de gente. E a música que faz reflete isso, algo que podemos comprovar com seu novo álbum solo, “What Now”, lançado agora. Nele Brittany segue fazendo música a seu jeito, o que significa dizer que ela oferece vários espécimes híbridos de soul, funk, rock e eletrônico, forjados em quantidades, tons e propósitos diferentes. O resultado é, como gostam de dizer os hipsters de plantão, orgânico e espontâneo, reforçando esta tal humanidade que parece perdida para a maioria das “divas” cantantes em atividade no planeta. E a alteridade de Brittany em relação a elas, expressa na provocação do texto desta resenha, é para questionar até onde essa dimensão sobre-humana pode prejudicar a fruição do que produzem essa gente. Mas, pensando bem, a gente talvez fique mais atento aos méritos que Howard exibe nesta nova fornada de canções. São muitos.

 

Pra quem não lembra – ou não sabe – Brittany ficou famosa nos meios mais esclarecidos da música pop quando surgiu à frente do Alabama Shakes, grupo que misturou timbres de rock, soul e um monte de variações alternativas deles, na virada dos anos 2000-10. Ela logo chamou atenção pelo estilo, pela voz e alguns apressadinhos de plantão chegaram a compará-la a Janis Joplin, algo que, sinto muito, não procede e não invalida o talento da moça. Com o fim da banda, Brittany demorou algum tempo para lançar um trabalho solo, tendo optado por produzir algumas canções roqueiras e enfiá-las num álbum sob o nome de Thunderpussy. Foi bacana, mas soava bem abaixo do que ela poderia fazer. Em 2019 ela soltou o bom “Jaime”, primeiro disco em que assinava seu nome e apontava várias direções que já insinuava nos tempos de Alabama Shakes, com a novidade de inserir alguns timbres eletrônicos aqui e ali. “Jaime” tinha conceito, pegada, mas faltavam um pouco de foco e um punhado de canções melhores. O que nos leva a esse “What Now”.

 

Brittany atravessou a pandemia em silêncio. Construiu um estúdio caseiro, começou a burilar novas ideias e novos timbres e abordagens. Com ela mesma no assento do produtor no estúdio, “What Now” veio com força e mais alcance. As canções, de fato, são melhores que as da estreia e os vocais de Brittany alcançam timbres impensáveis anteriormente – dê uma ouvida em “Red Flags” para saber o que quero dizer. Aliás, um grande mérito deste novo trabalho é a capacidade de alternância de climas e potências vocais que Brittany consegue. Se na supracitada “Red Flags” ela quase arrebenta suas cordas vocais, na canção seguinte, “To Be Still”, temos uma leveza de borboleta, lembrando gente como Roberta Flack ou Minnie Ripperton. E esta versatilidade também respinga nos ótimos arranjos, que nunca deixam o óbvio tomar conta, oferecendo montanhas russas de vocais de apoio, guitarras escondidas, bateria firme, porém suingada e um baixão que percorre todos os espaços.

 

Há destaques inegáveis por aqui. “Prove It To You” é um bate-estaca house que parece ter sido feito no fundo do quintal de maneira intencional, que vai cedendo espaço a uma levada funky mais humana e lenta, pontuada por teclados e guitarras. Soaria revolucionária em 1989, soa também hoje. A lindeza lírica e setentista de “I Don’t” talvez seja o grande momento do álbum, com uma verdadeira pororoca de teclados e floreios vocais que levam o ouvinte direto para um 1972 alternativo. “Patience” é outro momento mais delicado, mas nunca bundão ou acomodado. Tem andamento soul pop jazz de FM, lindo, perfeito, com vocais que se complementam e rodopios de guitarras fazendo climinhas. E a faixa-título, que também investe nessa onda eletrônica que Brittany parece estar surfando, mas, desta vez, ela vai sair na encruzilhada da Neneh Cherry de 1990, esquina com o Prince de 1989. Maravilha, eu diria.

 

Este novo álbum de Britanny Howard oferece uma possibilidade para a música afro-negona vigente. Não é o empastelamento via hip-hop das grandes divas, a meu ver, esgotado. Nem é o alt-r&b das novas e novíssimas artistas, tipo SZA. É algo no meio do caminho, híbrido, supreendente e, por isso, muito legal. Ouçam e constatem.

 

 

Ouça primeiro: “I Don’t”, “What Now”, “Patience”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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