Ian Cardoso – Devoto Franco

 

 

Gênero: MPB, alternativo

Duração: 31 min
Faixas: 8
Produção: Ian Cardoso
Gravadora: Um Bocado/Tratore

3.5 out of 5 stars (3,5 / 5)

 

 

Organizar a realidade e círculos de caos, esse o ciclo a ser desenhado e experimentado para entender esse lamaçal de sentimentos e ambivalência de uma existência humana.

 

“Circular e a imagem mais dispersa. Qualquer detalhe que fuja é notável”

 

É com essa ideia que o baiano Ian Cardoso começa seu  primeiro trabalho solo “Devoto Franco”. Em uma corrente que vai passando por margens, o produtor, instrumentista e cientista social vai abrindo as margens de um rio que, mesmo que já tenha o trajeto estabelecido pela natureza, recebe os toques daqueles que se banham, jogam pedras e modificam as margens. Os caminhos que procuram guiar e organizar a experiência.

Mestre em música pela UFBA, Ian traz um álbum repleto de ritmos, como cantiga, blues, viola caipira, e xote, misturado com algumas sonoridades sintéticas e pianos em algumas faixas. Em um pouco mais de 30 minutos, Ian constrói um disco de oito canções autorais, gravadas entre abril e julho deste ano.

 

Com um violão muito bem pensado e executado, “Devoto Franco” conta com “Cantiga Dispersiva” iniciando com aquilo que podemos pensar como uma viola caipira misturada com alguns sintetizadores que nos tiram do torpor e chamam para a experiência da letra. A faixa reflete questões de significado e códigos que utilizamos para interpretar o mundo. As palavras e o tanto de signos que usamos para tornar a existência inteligível. É um belo começo de disco.

 

“Redondo é o Sol, a Lua e o Sagrado “

 

“Presente pra mim” vem com uma pegada samba-reggae, feita por Ian para Ian. Sobreviver exige, antes de tudo, saber quem é e o quanto aguenta no mundo. É quanto o silêncio de nossas vozes também comunica, é sobre estar só, em um novo lugar, sobre morar com nosso vícios. A arte tem disso, servir como um presente no presente.

 

Álbum composto em meio à pandemia, reflete o sorrir com os olhos. “Amassadinho” dá sequência ao disco em um xote levinho, em que podemos sorrir a esperança com os olhos. O peito fica amassadinho, pois não sabemos como será esse tal de novo normal, quando a vacina chegar, o presidente cair, e a pandemia aliviar. É uma delícia de canção, um sorriso por baixo do pano.

 

A faixa-título é um blues simples e acústico, com vocais femininos que acompanham e complementam o violão. A canção é sobre dar nome às coisas, que nem sempre são denominadas, mas nem por isso menos sentidas e compartilhadas. Já sentiu em algum momento alguma poesia que parece ser escrita pra você e ao mesmo tempo não faz sentido para outro? Ou aquele “Dorme bem” e “fica bem” que guarda o amor entre as despedidas? É difícil se fazer entender, ser ouvido e comunicar com os elementos que possuímos, pois já não sabemos como o outro percebe o mundo.

 

E com a delicadeza de quem deixa escorrer a água pelo pelos ombros, água morna de um chuveiro morno, Molhei meu Pé vem com um violão marcado em uma repetição que vira mantra.

 

O mérito de Ian Cardoso neste disco são as harmonias de violão, todas as faixas contém um brilho de acordes que vibram, dentro e fora da canção. Em Sou de Água traz a poesia de Manuela Rodrigues, cantora e amiga de Ian. Quem nunca navegou por mares profundos que compõem os nossos traumas, demônios e fantasmas? Ou navegou pela água que brilha ao sol, o sol de nossa esperança? É sobre a nossa fluidez, sobre morrer na praia depois de nadar com êxito. É sobre todas as nossas águas, chorar de rir e de se entristecer. A faixa é lenta, declamada e é um encontro com nossa liquidez.

 

E com um feixe de luz de sol “Viola Love” é uma saudação à viola caipira, que está presente em outros momentos no disco. É uma música alegre, livre e leve. O que seríamos sem os acordes de energia contidos em uma viola? É um remédio a qualquer horizonte que esteve cinza.

“Viola love

Viola livre

Viola leve

Viola love“

 

Contudo o disco encerra com uma faixa que carrega uma melancolia, sobre o acordar e tentar fazer diferente, aquela mudança de quem decide rápido, por saber que o agora já passou no momento em que li esta palavra. É uma bela canção sobre a paisagem inerte pintada sobre cansaço de ser o mesmo e a vontade de mudar, em êxtase, para se experimentar.

 

“Devoto Franco” é um trabalho que brinca com diferentes elementos, tem piano, tem um mantra, tem sol, tem profundeza com um mix de temas e estilos. Contudo as faixas se conversam, conseguem um a conexão.

 

Ouça primeiro: Viola Love, Cantiga

 

Ariana de Oliveira

Ariana de Oliveira é canhota de esquerda, Cientista Social, estudante de Jornalismo e comunicadora da Rádio Univates FM. Sobre preferências: vai dos clássicos aos alternativos.

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