Green Day retorna com disco razoável e engajado

 

 

 

Green Day – Saviors
46′, 15 faixas
(Reprise)

3.5 out of 5 stars (3,5 / 5)

 

 

 

 

 

Não adianta. Os grandes trabalhos do Green Day, a meu ver, são “Kerplunk!” (1992) e “Dookie” (1994), quando era um trio de esquisitos coloridos e alucinados, tacando sorvete na testa enquanto procuravam acelerar suas canções mais e mais. E foi com essa sonoridade que o grupo colocou seu nome no mapa do rock alternativo noventista “que deu certo” comercialmente, ganhando a MTV, festivais e o gosto de uma juventude planetária pré-Internet. Dez anos mais tarde, o Green Day transmutou-se em uma banda inquisidora e politicamente ativa, quando lançou “American Idiot”. Canções como a faixa-título, “Jesus Of Suburbia” e, sobretudo, “Boulevard Of Broken Dreams”, fizeram o trio disputar espaço com o engajamento do U2 e, não por acaso, as duas bandas chegaram a gravar juntas mais ou menos nesta época. E, de lá pra cá, o Green Day existe no eco dessas duas fases, talvez experimentando uma existência meio morna, ainda que seja competente nos palcos (como vimos no último Rock In Rio) e cultivando uma persona gente boa, especialmente na pele do vocalista e guitarrista Billie Joe Armstrong, uma espécie de Dave Grohl de menores proporções. E, em meio a um inacreditável retorno de donald trump como virtual candidato à presidência do Império, o Green Day ensaia um novo período de engajamento. Sendo assim, temos este “Saviors” saindo do forno.

 

Em primeiro lugar, é preciso dizer que este é o álbum mais Weezer que o Green Day já gravou. Cerca de um terço de “Saviors” é composto por cançonetas de amor nerd existencial feitas dentro da forma do grupo de Rivers Cuomo, algo que ele mesmo parece não dar mais atenção hoje em dia. Billie Joe é vocalista competente, guitarrista ok e um bom compositor rock, tem as manhas do assunto, domina o idioma do punk californiano em doses sempre seguras, evitando que o Green Day soe como um Black Religion ou algo mais pesado e sério. O engajamento político que o grupo sugere é diferente, é mais cuca fresca, aberto, colorido, mas tem grande capilaridade junto ao público mais jovem. Aliás, tinha. Afinal de contas, já se vão vinte anos desde “American Idiot” e o planeta mudou significativamente de lá pra cá. Felizmente, “Saviors” tem um pouco mais de assunto para contar ao ouvinte mais atento.

 

Com a produção de Rob Cavallo, o cara que pilotou o estúdio nas gravações de “Dookie”, o novo álbum tem sonoridades que vão do pop punk tradicional às fronteiras do glam e do hard rock setentista mais fluido. As guitarras e os andamentos são bem familiares, mas há algo mais, digamos, maduro nesta sonoridade. Tem malandragem de estúdio nos timbres limpos e bonitinhos dos arranjos e os vocais de Patolino que Billie Joe faz tão bem e isso constitui ambiente de familiaridade para velhos fãs e uma fofura sonora bem-vinda para quem está desmamando musicalmente. A abertura traz “The American Dream Is Killing Me”, uma rajada de ovos pobres no hipercapitalismo vigente, especialmente na apropriação de extremistas de direita do próprio conceito de “american dream”, encampando-o e tirando todas as palavras que falam sobre igualdade, oportunidade e amplitude. “Look Ma, No Brains” é uma espécie de outro lado da mesma moeda, atacando a burrice estabelecida e adotada como linha de conduta por cínicos ao redor do mundo. O andamento aqui é mais rápido e o arranjo é bem sujinho, contrastando com a limpeza da primeira faixa.

 

No setor Weezer de “Saviors” estão as seguintes canções: “Bobby Sox”, “Dilemma”, “Goodnight Adeline” (que parece saída de “Pinkerton”), “Suzie Chapstick”, a baladinha dedilhada “Father To A Son” e o encerramento com “Fancy Sauce”. Todas são bonitinhas e simpáticas, agradando em cheio os fãs de Cuomo e cia, eternamente ressabiados com os trabalhos recentes do Weezer. É divertido identificar as interseções do Green Day com o hard rock dos anos 1970/80. “One Eyed Bastard” é bacana, “Corvette Summer” é cadenciada e “Living In The 20’s” lembra um pouco os Ramones de “Pet Cemetery”. De resto, “1981” soa como a faixa mais próxima daquele período dourado do Green Day que mencionamos lá no início do texto.

 

“Saviors” é o clássico álbum “mais do mesmo”. Tem Green Day de todas as épocas e matizes, para agradar a quem conhece e quem quer conhecer. É simpático e funciona, mas talvez seja preciso mais criatividade para a banda ganhar fôlego para os próximos anos. Talvez.

 

Ouça primeiro: “1981”, “Bobby Sox”, “Dilemma”, “Goodnight Adeline”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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