Future Islands – As Long As You Are

 

 

Gênero: Pop alternativo

Duração: 44 min.
Faixas: 11
Produção: Future Islands
Gravadora: 4AD

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

Se o quarteto americano Future Islands tivesse um signo, ele seria câncer. Sim, porque, como todo mundo sabe, os cancerianos são pessoas emocionais, intensas, meio obcecadas, meio chatas até. No fundo são gente boa, só querem ter seu canto, sua família e viver a vida em dedicação à ela. Só que, claro, nem todo mundo está disposto a isso, logo, os nascidos entre fim de junho e os primeiros 20 dias de julho penam pelo mundo a fora, canalizando sua energia em outros fins. Samuel T Herring, o vocalista e cérebro pensante do grupo de Baltimore, Estados Unidos, é um sujeito esquisito mas que parece ser gente boa. Famoso após uma performance bombástica de “Seasons” no David Letterman Show, sucesso de 2014, que colocou o grupo no mapa, Samuel tornou-se uma celebridade menor, espécie de porta-voz da intensidade sentimental nestes tempos em que o sistema te diz, diariamente, que o mais certo é não ter sentimentos, que a individualidade prevalecerá sobre o coletivo e que não é tempo para se ter família, filhos e tal. Este “As Long As Your Are” é o novo trabalho do Future Islands e versa sobre a dificuldade de se sentir em pleno 2020.

 

Quem está familiarizado com o trabalho dos sujeitos sabe que a praia do Future Islands é o synthpop decalcado com precisão dos anos 1980. Só que Herring e seus amigos não metem a mão em cumbucas de inspiração manjadas, eles se interessam pelos timbres e sonoridades de gente como Flock Of Seagulls, obscuridades do Roxy Music ou alguns momentos mais gelados dos Eurythmics. Sem falar na simpatia que nutrem pelos timbres estalados e agudos de baixo que Peter Hook costumava tirar em seus tempos de New Order. Estas tonalidades mecânicas contrastam com a performance e os vocais emocionais de Sam, gerando uma liga sonora que é bem interessante de ver/ouvir. Este novíssimo disco traz onze faixas em que há este dilema coração x máquina, colocado a serviço do mapeamento sentimental em tempos de trump e pandemia. Aliás, é engraçado pensar num país que gera um Sam Herring e um donald trump ao mesmo tempo, né? Enfim…

 

Produzido pela própria banda, “As Long…” é um trabalho coeso e cheio de belas canções dentro desta lógica synthpop e as melodias construídas pelos sujeitos são sempre belas e os arranjos valorizam o derramamento vocal que se tornou a característica principal da interpretação de Sam. Há momentos em que esta interação pende mais para o lado do drama puro e simples, ficando na fronteira com o exagero, caso, por exemplo, de “I Knew You” ou “City’s Face”, que são lentas e abrem espaço para os vocais de Herring exagerarem em meio ao mar de teclados que surge nos arranjos. Mas a maioria de faixas aponta para um equilíbrio bonito e que joga a favor do álbum. “Born In A War”, um dos singles lançados antecipadamente, é um ótimo exemplo: sintetizadores em harmonia, ritmo em midtempo, alternância de timbres e uma lindeza gelada que se espalha pelos fones de ouvido, justo para Sam completar com seus vocais de coração na ponta da chuteira.

 

As quatro faixas que encerram o disco são pródigas neste equilíbrio. “Plastic Beach” tem bateria aerodinâmica e andamento mais rápido, abrindo espaço para “Moonlight”, a mais bela canção do álbum, que tem um riff de baixo que lembra os bons tempos do New Order e um arranjo lindo, que parece uma cascata de sonoridades sintéticas caindo em gotas aqui e ali. “Thrill” é triste e parece tema de alguém caminhando sob o entardecer, pensando em escolhas sérias que precisa tomar na vida. “Hit The Coast”, fechando o disco, é uma faixa que poderia estar numa trilha sonora como a de Top Gun, com o teclado épico, a sensação de redenção que surge após grandes provações da vida.

 

Future Islands, essa banda canceriana de espírito, oferece pequenas tragédias tecladeiras de bolso, uma lindeza de intensidade e admirável pela coragem de acreditar em amor e essas coisas meio demodê. Ouça de olhos fechados, lembrando do que não aconteceu.

 

Ouça primeiro: “Moonlight”

 

 

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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