Frank Jorge, Kassin e seu alien sonoro

 

 

Frank Jorge e Kassin – Nunca Fomos Tão Lindos

Gênero: Rock alternativo

Duração: 34 min.
Faixas: 13
Produção: Kassin e Frank Jorge
Gravadora: Marquise 51

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

Uma primeira olhadela nesta parceria pode sugerir que ela é o proverbial encontro da água com o óleo. Basta, no entanto, lembrar de algumas coisas para perceber que Frank Jorge e Kassin estão muito próximos em vários setores da música brasileira que realmente importa. Frank tem histórico que remonta aos anos 1980, esteve em bandas históricas do Rio Grande do Sul, como Cascavelettes e Graforreia Xilarmônica e, a partir do fim dos anos 1990, enveredou por uma carreira solo muito legal. Kassin é cria da cena alternativa carioca dos anos 1990, integrou o Acabou La Tequila – banda mitológica daquela cena – e tornou-se um dos produtores mais requisitados do país, com incursões esporádicas como frontman, seja em seu disco solo – “Relax”, de 2019 – como parte do trio +2, junto como Moreno Veloso e Domenico Lancellotti. E uma ouvida mais atenta, justo ao trabalho de Kassin, vai entregar o gosto pelo inusitado e pelas experimentações que são o forte deste “alien sonoro” chamado “Nunca Fomos Tão Lindos”.

 

Esta característica experimental de Kassin como produtor e artista dá o toque estético para o disco. Suas influências vêm de lugares distintos, seja dos arranjos e visão pop de Lincoln Olivetti, bem como das misturebas de Beach Boys, bossa nova e eletrônica que o inglês Sean O’Hagan fez e faz, seja em carreira solo, seja como High Llamas. Deste caldo estranho, porém saboroso, sai uma musicalidade que é única no Brasil atual, bem informada e muito afeita ao rompimento de fronteiras, algo bem raro por aqui, diga-se de passagem. Com a veia bem humorada, igualmente bem informada de Frank Jorge, o resultado vai muito além das citações prévias às carreiras de ambos, mas aponta para algo que, ao mesmo tempo, é a cara deles, mas que tem muito de presente, especialmente por conta da discreta visão política que perpassa algumas canções e, dada à caretice reinante no país, ao próprio espírito experimental que é a cor mais evidente do disco, verdadeira felicidade para quem acredita que a música está em movimento.

 

“Nunca Fomos Tão Lindos” não é um disco para quem pensa na música pop como algo estagnado. A cara de modernidade caótica é seu grande trunfo. As composições são de autoria de Frank, gravadas previamente por ele no início de 2020, e com a possibilidade a Internet ao longo da pandemia, devidamente trabalhadas, buriladas e gestadas pelos dois. A produção de Kassin fez muito bem a essas composições, e a impressão que se tem ao ouvir o álbum é a de um grande espetáculo multimídia, inteligente, interessante e cheio de detalhes. Porque é bem divertido ouvir os discos assinados por Kassin com fones de ouvido em busca de detalhes e timbres esquisitos que ele harmoniosamente doma e coloca a serviço do todo. O resultado disso tem sido, pelo menos nos últimos discos que ele assinou – “Relax”, dele mesmo e o último da Banda Tereza, “Animes, Kylie Jenner, Glocks & Remédios”, deste ano – uma visão de futuro do pretérito, do uso de sonoridades intencionalmente datadas, com o verniz de um vintage que nunca existiu.

 

De nada essa parafernália de timbres serviria se não houvesse uma boa safra de canções e é isso que temos aqui. “Furto de Energia”, a primeira faixa, tem clima de afrobeat, citações a Gilberto Gil e aos Mutantes na letra. O single “Tô Negativado” já é um mergulho na encruzilhada entre carimbó e música brega nacional, algo que Frank adora e que serviu como inspiração em muitas vezes. “Não Lembro Bem do Meu Pai”, uma das melhores canções presentes no álbum, tem letra sincera, otimista e confessional, em meio a um arranjo que tem linha de baixo vertiginosa e uma inspiração confessa em “I Will Survive”, hit disco de Gloria Gaynor. Aliás, a canção encerra o disco com uma versão karaokê sensacional. Tem o primeiro single, “O Que Vou Postar Aqui”, que expõe a necessidade frenética de atualizar redes sociais e tem a bela “Foi Ontem”, que tem pinta de hit pop dourado dos anos 1960 revisitado e trazido para os tempos atuais.

 

“Nunca Fomos Tão Lindos” pode ser o tal “alien musical” que a dupla buscava, mas é, talvez por isso mesmo, um disco moderno, urgente e cheio de ótimos detalhes. Que venham novos ETs musicais em tempo recorde.

 

Ouça primeiro: “Foi Ontem”, “Eu Não Lembro O Nome Do Meu Pai”

 

 

 

Veja também:

 

Entrevista com Kassin

Entrevista com Frank Jorge

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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