Doces canções de idílio e exílio
Erlend Oye – La Comitiva
44′, 13 faixas
(Bubbles Records)
Se você é um velho alternativo dos anos 2000, provavelmente irá lembrar-se de Erlend Oye. Responsável por metade do duo Kings Of Convenience e pelo projeto eletrônico The Whitest Boy Alive, Erlend esteve no Brasil algumas vezes, sempre no circuito ultra-extra alternativo, como, por exemplo, no dia 14 de dezembro de 2006, no extinto Teatro Odisseia, no Rio de Janeiro, abrindo uma noite chamada Invasão Sueca, dentro do Festival Algumas Pessoas, que era promovido pelo selo midsummer madness. Eu estava lá, mas lembro quase nada da apresentação do sujeito, acústica, voz e violão, que deve ter sido curta e meio fora de lugar, visto que ainda estavam escalados para a noite a banda carioca Pelvs e os suecos El Perro Del Mar, Jens Lekman e Hell On Wheels. Pois bem, o fato é que Erlend teve seu tempo como promessa do underground nórdico via Londres do início dos anos 2000, mas não chegou a fazer muito sucesso com os primeiros formatos escolhidos. O folk do Kings Of Convenience chegou a ficar mais famoso, especialmente com o segundo álbum, “Riot On A Empty Street”, de 2004, no qual a dupla (além de Erlend, havia o também norueguês Erik Glambek Boe) chegou a colaborar com a cantora Feist e ter a canção “I’d Rather Dance With You” em boa rotação.
Ainda que o KOC tenha lançado um terceiro álbum em 2009, “Declaration Of Dependence” (e outro bem mais tarde, em 2021), Erlend encontrou sua melhor expressão como artista solo. Qual não foi a surpresa ao vê-lo totalmente solar na adorável canção “La Prima Estate”, cantada em italiano sem muito embaraço, em meio a um clipe colorido e apaixonante. Foi a partir daí que Erlend apresentou a sua nova faceta solo ao mundo, que seria complementada pelo álbum solo “Legao”, que viria no ano seguinte, em 2014. Ele, natural de Bergen, Noruega, havia trocado Londres por Siracusa, na Sicília, extremo sul da Itália e tanto o single, quanto o álbum, anunciavam o surgimento de uma nova faceta, na qual Erlend se permitia explorar tons e sons que ainda não estavam no seu mapa. Mesmo que ele já tivesse flertado com a bossa nova, ritmos brasileiros e latinos em alguns momentos, nunca isso fora tão explícito quanto em “Legao”, cujo single “Garota” fez relativo sucesso underground aqui e ali. Agora, cerca de dez anos depois disso e ainda vivendo na ilha italiana, ele lança o primeiro disco no idioma local, levando seu nome e da banda que o acompanha por lá, “La Comitiva”, algo como, “a galera” na gíria local. E o trabalho é adorável.
La Comitiva, a banda, surgiu naturalmente, após alguns anos vivendo em Siracusa. Os encontros com amigos nos fins de semana, a cidade pequena, a cena local na qual todos se conhecem, tudo isso ajudou para que Erlend montasse um grupo regular de músicos identificados com a sonoridade que ele passou a fazer, híbrida de seu pop folk alternativo e abordagens locais. Mesmo com este projeto em andamento desde 2019, Oye não deixou de levar adiante suas outras personas musicais. Por exemplo, o Kings of Convenience gravou um álbum em 2021, chamado “Peace Or Love”, no qual recupera bastante da sonoridade do início dos anos 2000. O próprio Erlend gravou um álbum solo ao vivo num quarto de hotel durante a pandemia, com o título “Quarentine At El Ganzo”, totalmente acústico e registrado, como o nome já diz, em meio à pandemia da covid-19 em 2020, no México.
“La Comitiva”, o disco, tem treze canções abrangem uma ampla gama de estilos, desde bossa nova e jazz até trilha sonora de filmes, folk e um delicado chamber pop que funciona muito bem. A faixa de abertura, “Matrimonio di Ruggiero”, é uma bossa nova simpática cantada em italiano com belas intervenções de instrumentos de sopro e o bom uso de um ukulele dedilhado, o instrumento principal de Øye neste álbum. A banda principal, La Comitiva, é composta pelos músicos sicilianos Marco Castello, Luigi Orofino e Stefano Ortisi, que tocam diversos tipos de guitarras e instrumentos de cordas, incluindo um cavaquinho português. A maravilhosa “Paradiso”, também cantada em italiano, é uma clássica melodia de Øye com um toque melancólico e arranjos de câmara habilidosos. Após o doce jazz-folk de “You and Only You”, a seção intermediária do álbum é predominantemente instrumental e este é o único problema que temos por aqui. O excesso de instrumentais parecidos deixa uma sensação de mesmice que acaba jogando contra o resultado final. Mesmo assim, há lindezas como “For the Time Being”, que já tem vinte anos de composta e foi repensada completamente, deixando a ambiência eletrônica original em favor de um arranjo folk com acompanhamento de violão.
“La Comitiva” é uma declaração de amor à vida, às escolhas e à desaceleração da vida em favor de uma existência mais lenta, contemplativa e feliz. Em alguns momentos, dá vontade de morar dentro do disco. Ouça, ame.
Ouça primeiro: “Matrimonio di Ruggero”, “Paradiso”, “For The Time Being”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.