Daft Punk lança versão sem bateria de seu último álbum

 

 

 

 

Daft Punk – Random Access Memories (Drumless version)
74′, 13 faixas
(Sony)

3 out of 5 stars (3 / 5)

 

 

 

 

 

Pense que você é um dos robôs do Daft Punk em 2013. Está a ponto de lançar o álbum mais bem sucedido de sua carreira e que trará um dos singles mais duradouros do porvir, “Get Lucky”. Pense que você conseguirá parir um trabalho que irá homenagear a produção musical americana da virada dos anos 1970/80, contemplando disco music, soft rock, soft prog, pop e até umas pitadas de jazz funk, no sentido Steely Dan do termo. E pense que, para levar isso adiante, você vai contar com a presença de músicos excelentes e participações especiais, de Giorgio Moroder a Nile Rodgers, de Pharell Williams a Julian Casablancas. E pense que o álbum vai vender loucamente, tocar adoidado e render prêmios. Pensou? Ótimo. Agora volte para 2023 e imagine que, no ano do décimo aniversário deste disco, você irá lançar uma versão dele … sem bateria. E lembre que, lá em 2013, você conseguiu que Omar Hakin e John “JR” Robinson, dois dos maiores bateristas do mundo, tocassem no álbum. Ou seja, a princípio, essa versão “Drumless” de “Random Access Memories” não faz muito sentido. Mas é isso mesmo? Não faz?

 

Não faz. Mas isso não é completamente ruim. A abordagem mais fácil é a da perplexidade com o apagamento que as participações de Hakin e Robinson, afinal de contas, o primeiro tem inúmeras participações em gravações memoráveis, tocou com Weather Report, Sting e mais um monte de gente. O segundo assinou a bateria do clássico álbum “Off The Wall”, de Michael Jackson, sendo dele, por exemplo, a viradinha do início de “Rock With You” e a levada frenética de “Don’t Stop Til Get Enough”. Além disso, como colaborador constante de Quincy Jones, JR também assinou as baterias de uma das mais belas e sensacionais gravações da história – “Give Me The Night”, de George Benson, entre muitas outras, como “We Are The World” (USA For Africa), “Just A Gigolo” (David Lee Roth) e “Express Yourself” (Madonna), numa folha corrida que vem até “Stupid Love”, de Lady Gaga. E foram esses dois caras que o Daft Punk limou da existência com a atual Drumless Versions.

 

Mas, como dissemos, dá pra apreciar esse exercício de, digamos, reimaginação, ainda que não seja fácil. Como um disco que homenagea estilos do início dos anos 1980, a união de baixo e bateria se torna elemento quase indissociável, mas, se as batidas são apagadas, automaticamente prestamos atenção em outros elementos, especialmente o baixo e os sintetizadores e isso enfatiza bastante a ótima fase que Guy-Manuel de Homem-Christo e Thomas Bangalter atravessavam. As composições são ótimas, os arranjos exuberantes e, contrariando a impressão causada pelo sucesso de singles como “Get Lucky”, “Loose Yourself To Dance” e “Instant Crush” (esta última, um aceno explícito “Eye In The Sky”, sucesso de 1981 do grupo Alan Parsons Project), há muito para ouvir em “Randon Acess Memories” que vai além das batidas dançantes que estas canções privilegiam. Como dissemos, o álbum é um trabalho intrincado de ourivesaria sonora que, em alguns momentos-chave, fica ressaltado sem bateria.

 

Quatro outras canções ganham força inédita. “Giorgio By Moroder”, por exemplo, tem a narrativa do próprio Moroder elevada a uma categoria de quase contação de história com intervenção maciça de sintetizadores, num resultado interessante. “Touch”, épica faixa com participação de Paul Williams e instrumental cheio de surpresas e reverberações esparsas, chega quase nas fronteiras com o progressivo experimental – algo que fora insinuado no original com bateria – e atingindo píncaros inimagináveis. “Motherboard”, por sua vez, talvez seja o melhor momento desta versão sem bateria. É possível ouvir e prestar mais atenção nos detalhes do arranjo – flautas, cordas, sutilezas -, especialmente no intrincado baixo. Claro que os cavalos de batalha habituais – “Get Lucky” e “Loose Yourself To Dance” perdem força como faixas dançantes e crocantes que são, e suas versões sem bateria quase parecem demos. Talvez Guy-Manuel de Homem-Christo e Thomas Bangalter tenham pensado na possibilidade de DJs fazerem sua apropriação pessoal das faixas com mais facilidade, vá saber.

 

Esta versão Drumless de “Random Access Memories” mostra duas coisas, meio paradoxais. O original é imaculado e, como tal, precisa descansar, ser deixado de lado. Ao mesmo tempo, é legal ouvir essa reimaginação sem bateria. É estranha, meio desnecessária, mas, tem seu charme. É um complemento interessante.

 

Ouça primeiro: “Motherboard”, “Touch”, “Giorgio By Moroder”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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