As Aventuras de Bob Dylan na Terra do Sol Nascente

 

 

 

Bob Dylan – The Complete Budokan 1978
270′, 58 faixas
(Columbia)

3.5 out of 5 stars (3,5 / 5)

 

 

 

 

 

Fico meio sem graça em dar esta cotação para “The Complete Budokan 1978” e quero me explicar. Antes disso, é sempre bom saudar mais um trabalho de arqueologia musical feito pela equipe que gerencia a carreira de Bob Dylan. Assim como as Bootleg Series, esses trabalhos de revisita de álbuns e momentos da trajetória do homem são interessantes tanto pelo ponto de vista musical, como pelo valor histórico. São períodos que podem compreender anos, meses ou até mais, que mostram como a vida pessoal de Bob refletia – e reflete – em sua criação, sempre gerando uma resposta artística. Se isso já era bem nítido nos lançamentos normais, essas revisões ampliadas, cheias de memorabilia, restauração meticulosa de faixas, gravações etc, colocam tudo na mesa, pronto para novos e velhos fãs se interessarem. Bob Dylan é desses artistas que, mesmo a gente preferindo uma ou outra fase, um ou outro álbum, tem algo a mostrar que vai além do juízo estético ou do gosto pessoal. Este é o caso de “The Complete Budokan 1978”, que amplia o lançamento de 1978/79, “At Budokan”, originalmente um álbum duplo, gravado ao vivo no Budokan Hall, em Tóquio, que agora é quádruplo.

 

A explicação para a nota 3.5 é que, em essência, analisando apenas a questão musical e seu resultado, “At Budokan” é um disco apenas ok. Na verdade, minha avaliação é bem generosa, visto que ele é meio que um patinho feio na discografia do homem, especialmente em termos de registros ao vivo. Para termos uma ideia, este foi o terceiro disco ao vivo lançado por Bob em … cinco anos. O primeiro da sequência, “Before The Flood” (1974), certamente um dos melhores álbuns duplos ao vivo de todos os tempos, mostra Dylan com o auxílio da The Band, ruminando a época de “Blood On The Tracks”, um álbum dilacerado e triste, sobre separação e necessidade de reinvenção a qualquer custo, sob pena de … bem, não conseguir levar adiante. O segundo, “Hard Rain”, é de 1976 e trazia uma pequena amostra da famosa “Rolling Thunder Revue”, a turnê-espetáculo que Dylan empreendeu entre 1975-76 para divulgar seu álbum “Desire” e suas renovadas visões musicais e de mundo. E “At Budokan”, gravado em 1978 e lançado no mesmo ano apenas no Japão – chegando ao resto do mundo em agosto de 1979 – era o documento de uma mutação ainda não completa – a conversão de Dylan ao cristianismo, que viria em 1979, com o lançamento do álbum “Slow Train Coming”.

 

Na verdade, “At Budokan” não mostra isso, mas mostra o início deste processo, o acúmulo de dúvidas e ceticismos diante da vida pessoal e de sua persona artística, levaram Dylan a recrutar uma nova banda e canalizar suas ideias para algo que não tinha uma forma exata. Na verdade, o reflexo dos shows é o álbum “Street Legal”, lançado em junho de 1978, após os concertos da turnê, que passou por Japão e Austrália. Ou seja, é um momento de transição, no qual Dylan queria, mas não tanto, romper com o passado sessentista mitológico, mas não sabia exatamente o que abraçar, qual rumo tomar. O resultado disso é um registro sonoro meio exagerado, mas sem força, algo que é paradoxal, mas que cabe no momento vivido pelo homem então. A banda tinha trio de vocalistas de apoio, teclados, metais, percussões, violino, guitarristas, enfim, era uma formação que poderia acrescentar detalhes e toques interessantes em velhas canções, mas o resultado – como alguém disse na época – é que Dylan estava com a pegada de um artista fazendo shows em Las Vegas, o que, no jargão daquele tempo, significava apenas uma palavra: decadência.

 

De fato, os registros de clássicos como “Like A Rolling Stone”, “I Want You”, “All Along The Watchtower”, “Ballad Of Thin Man”, “Forever Young”, entre tantos outros, são menos vigorosos do que poderiam ser. Talvez os de “Before The Flood” sejam mais instigantes e, certamente, as versões registradas nos volumes dedicados à Rolling Thunder Revue e ao Royal Albert Hall Concert, lançados nas Bootlegs Series, têm mais força e propriedade. Mas, como Dylan não é só um artista, não há como desprezar este acesso liberado a tudo o que estava por trás da turnê pelo Oriente e Oceania. O momento de mudança que todos pareciam viver, que dava, ao mesmo tempo, punk e disco music ao mundo, influenciava a tudo e todos. Eram sentidos os primeiros movimentos do neoliberalismo, era cada vez mais dura a constatação da derrocada das utopias dos anos 1960, já distantes no horizonte, ou seja, tudo está envolvido e atuando para que “At Budokan” tenha sido como foi. Perplexo, sem eira nem beira, meio estranho. Como aquele meme: “tá tudo bem, mas tá tudo estranho”.

 

O que não posso esquecer é que o vinil duplo de “At Budokan” fez parte do kit de introdução à obra de Dylan, que eu montei instintivamente, lá pelos treze, quatorze anos, começando a ouvir música mais seriamente. Além dele estavam presentes a coletânea “Greatest Hits Vol.1”, que trazia o original de “Like A Rolling Stone”, canção que me fisgou para sempre. E um exemplar de “Infidels”, o álbum de 1983, no qual Dylan voltava ao judaísmo após esta, digamos, aventura cristã, que foi sinalizada, ou intuída, sei lá, por “At Budokan”. Eu era fascinado – e ainda sou – por “Jokerman”, faixa que puxou “Infidels” e até cravou um clipe nos FM TV’s e Clip Clips da vida. Dylan é Dylan. E ponto final.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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