Cowboy Junkies – Ghosts
Gênero: Folk, rock
Duração: 30 min.
Faixas: 8
Produção: Michael Timmins
Gravadora: Latent
O Cowboy Junkies é uma dessas instituições da música internacional que a gente ama, mas perde de vista. Explico. O grupo dos irmãos Timmins – Margo, Michael e Peter, mais o baixista Alan Anton – foi um dos responsáveis pela mutação do folk em uma música “alternativa” na segunda metade da década 1980. Lançaram alguns discos soberbos nesta seara, como “The Trinity Session” (1988) e “The Caution Horses” (1990) e incorporaram mais elementos elétricos ao longo dos anos 1990. Depois do ótimo “Miles From Our Home”, de 1998, confesso que os perdi de vista e até os esqueci. Por absoluta falta de tempo, não dei uma boa olhada para saber o que os sujeitos andavam produzindo até dar de cara com este impressionante “Ghosts”, lançado há alguns dias. Daí fui correr atrás do tempo perdido.
Os CJ continuaram ativos, lançando discos e fazendo shows desde sempre, com a mesmíssima formação, que data de 1986. Sempre os enxerguei como uma versão soturna e triste dos 10000 Maniacs, outra banda importante na transição que menciono no parágrafo anterior. Entre 2012 e 2018, o grupo esteve em hiato, quebrado com o lançamento de um álbum chamado “All That Reckoning”, composto por onze faixas nas quais Michael Timmins, o compositor da banda, falava sobre planos privados e públicos, diálogos com a vida, entre outros temas existenciais. Dois meses depois do lançamento, a mãe dos três irmãos, Barbara, morreu. A banda já estava na estrada e iniciou um processo espontâneo de composições sobre a perda e as consequências disso, avaliando danos, reflexos, causas, tudo sobre o luto e a dor que veio dele. O resultado desse processo está em “Ghosts”. A ideia era lançar uma versão alternativa do álbum anterior, tendo um segundo disco como bônus, mas a pandemia motivou o grupo a divulgar o novo trabalho como um álbum fechado.
Podemos esperar um feixe de nove canções tristes e cruas e a banda não falha em entregar isso. O detalhe é que não há mimimi ou auto-comiseração, pelo contrário, há mais raiva e revolta do que luto puro e simples. As guitarras de Michael há tempos não soam tão rascantes, contraste interessante com a voz imorredoura de Margo, uma das maiores vocalistas que ninguém conhece. As nove canções presentes em “Ghost” são diretas, retas e abordam dualidades humanas, a começar pela própria oposição entre vida e morte. “Desire Lines”, a abertura do álbum, equilibra os timbres pesadinhos de guitarra com piano econômico e um clima psicodélico/soturno, algo bem bonito e solene. “Breathing”, logo em seguida, é uma balada folk com o peso da vivência, impulsionada por piano e efeitos que simulam o vento soprando. O resultado é belo e emocionante.
Ao longo dos 30 minutos que o disco oferece, é possível dar uma passeada pela musicalidade do CJ. Há o folk de violão dedilhado de “The Possessed”, com a voz de Margo soando como se estivesse do nosso lado, contando uma história. “Misery” já é uma balada country rock de têmpera lírica e intervenções de piano equilibrando as guitarras. “Grace Descends” é canção noturna com ótimo trabalho do baixista Alan Anton, enquanto “(You Don’t Get To) Do It Again” é a mais invocada do álbum, elétrica e raivosa como você não poderia esperar num álbum dos Cowboy Junkies. “This Dog Barks” retoma o ritmo lento e contemplativo, com destaque para violinos e órgão em oposição à uma inesperada coda guitarreira, enquanto a melhor faixa do álbum chega no final. “Ornette Coleman” é uma pequena peça surrealista sobre o vai e vem da vida, uma espécie de “encontros e despedidas” concentrada na figura de um músico atemporal. Coisa fina e pra poucos.
“Ghosts” tem título apropriado e reafirma a sinceridade como uma das armas mais eficazes, não só dos Cowboy Junkies, mas da música em geral. Com o coração na ponta de chuteira, eles te convidam a passear por um dolorido, porém real, jardim de pedra. Como eu disse, para poucos.
Ouça primeiro: “Ornette Coleman”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.