Compositor italiano é um superstar da música clássica

 

 

 

 

Ludovico Einaudi – The Summer Portraits
66′, 13 faixas
(Decca)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

Já ouviu falar de Ludovico Einaudi? Com a impressionante marca de bilhões de streamings anuais, o maestro e compositor italiano, que chega aos setenta anos em novembro de 2025, é o que poderíamos chamar de um “popstar” da música “clássica”. As aspas estão aqui por conta das convenções que regem chamar a música orquestrada de inspiração no que se aprende nos conservatórios europeus e a música popular, ou pop, que é feita e consumida em outras lógicas e limites. Certo que estas fronteiras foram borradas ao longo do século 20 e surgiram estilos híbridos, como easy listening, classic pop, classic FM e até a ambient music/new age. O fato é que todos saem ganhando com uma oferta maior de artistas e obras. Einaudi, que se formou em conservatório italiano clássico, é um desses sujeitos que se equilibram entre influências. Ele mesmo diz que sua música tem muito mais de Beatles do que de Bach, mas, para o ouvinte médio, tudo o que ele faz soa como algo complicado, difícil ou “para gente velha”. Não pode haver maior engano que esse e a gente resolveu se meter nessa seara e resenhar o mais recente trabalho de Einaudi, o belíssimo álbum “The Summer Portraits”.

 

Einaudi começou como compositor de trilhas sonoras para cinema e TV na Itália, colaborando com diretores como Nanni Moretti, na virada da década de 1990/2000. Em pouco tempo ele ganhou visibilidade internacional, ganhando prêmios na Alemanha e compondo o score da refilmagem inglesa de “Doutor Jivago”, em 2002, sendo comparado ao compositor do filme original, o francês Maurice Jarre. Ao longo dos anos seguintes, Einaudi se tornou uma estrela ascendente e ganhou ainda mais projeção quando sonorizou o trailer de “Cisne Negro”, de Darren Aronofsky (2010) e, no ano seguinte, a trilha sonora do filme francês “Intocáveis”. De lá pra cá, ele assinou trilhas de filmes dirigidos por Clint Eastwood (“J Edgar”), Florian Zeller (“Pai”), Chloé Zhao (“Nomadland”), além de várias produções para a TV. Ao mesmo tempo, ele iniciou uma carreira solo que foi crescendo simultaneamente às participações em trilhas e peças comerciais diversas, o que lhe deu um status impressionante. Ludovico se notabilizou pelo uso proeminente de piano e cordas em seus arranjos, mas, com o tempo, foi incorporando levíssimas tinturas eletrônicas e percussivas, dando origem a uma música que parece clássica mas tem um irresistível apelo pop. “The Summer Portraits” prova exatamente isso.

 

Ao longo do disco, Ludovico Einaudi revisita os verões desvanecidos das décadas de 1950 e 60 com uma mistura de gratidão e nostalgia. Essa dualidade fica evidente no videoclipe em tons de sépia de “Rose Bay”, uma montagem de filmes caseiros que retratam a vida à beira-mar e em alto mar, especialmente na localidade australiana que dá nome à canção e onde Einaudi viveu a infância. Se o tom nostálgico parece conduzir as composições, a capa do álbum e os vídeos temáticos aquáticos e envoltos em azul dos outros singles soam muito modernos. O compositor faz bom uso do sentimento de nostalgia e saudade, mas sua música é destinada ao público moderno. A única ressalva, claro, é o momento do lançamento no último dia de janeiro, quando o norte da Itália ainda está com baixíssimas temperaturas e os veleiros estão guardados para o inverno. Para aqueles que não suportam o frio, o álbum é uma lembrança das alegrias mais quentes que estão por vir.

 

As sonoridades construídas por Einaudi evocam este choque entre passado e a lembrança do passado, vivida no presente, desejando um futuro. O piano conduz as melodias, as cordas pairam sobre a paisagem e quando o violoncelo se faz presente em “Punta Bianca”, um sentimento melancólico percorre o arco; surgem vocais sem palavras, que precedem uma pausa quase silenciosa e, em seguida, uma recalibração. Uma sensação semelhante ocorre duas vezes em “Pathos”, cujo título já entrega a emoção; a composição começa e termina em notas solo, dando tempo para a reverberação se instalar; mas o centro é inundado por percussão, cor e um gentil redemoinho. Mais do que qualquer outra peça, “Pathos” retrata o poder da memória para fortalecer o espírito e elevar a mente. Cinematográfica em escopo, a faixa tem sete minutos e sugere um curta-metragem, com todos os conflitos resolvidos até o final. Outras composições como “In Memory of a Dream” e “Summer Song” também se destacam em sua delicadeza.

 

Ludovico Einaudi já tem uma série de shows marcados para este ano e ele deve levar este álbum para vários países. A evocação do verão como um tempo em que tudo pode e tudo é sinônimo de felicidade é um mito fortíssimo na parte norte do planeta. Aqui talvez vivamos num “eterno verão”, numa outra visão, num outro calor. Mas ainda é possível se emocionar com um trabalho tão delicado e belo.

 

Ouça primeiro: “Pathos”, “Punta Blanca”, “Rose Bay”, “Summer Song”, “In Memory Of A Dream”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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