CHVRCHES: Dançando com lágrimas nos olhos

 

 

CHVRCHES – Screen Violence

Gênero: Synthpop

Duração: 43 min
Faixas: 10
Produção: Lauren Mayberry, Martin Doherty e Iain Cook
Gravadora: Glassnote

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

O grupo inglês Ultravox, famoso na virada dos anos 1970/80, tem uma canção clássica intitulada: “Dancing With Tears In My Eyes”. Nela está contida uma verdade que pode passar batida pelas pessoas que não são afeitas ao universo da música eletrônica/dançante: a boa faixa para dançar tem que fazer vibrar tanto pelas batidas como pela emoção que desperta. Sendo assim, a máxima vale tanto para clássicos pulantes como para baladas acrílicas ou faixas em midtempo, mas que se inserem neste universo por uma das várias portas que ele tem. Tal visão não mudou em quase 40 anos de música pop-dançante-eletrônica, uma invensão oitentista que foi – e é – constantemente reinterpretada. Veja, por exemplo, o trio escocês Chvrches: oriundo da cena alternativa de Glasgow, começou meio sem eira nem beira pra achar seu lugar, com uma proposta ousada, a de misturar timbres eletrônicos dignos com um apelo pop irresistível. Eles iniciaram a carreira em 2013 e hoje, oito anos depois, chegam ao quarto álbum, com pinta de quem já sabe os atalhos do campo, de quem joga de terno, sem suar. A prova disso está neste bom “Screen Violence”.

 

O charme da banda está, sem dúvidas, nos vocais derramados e intensos de Lauren Mayberry, que chama a atenção pela paixão com que interpreta as canções que Martin Doherty e Iain Cook bolam, sempre com a pretensão de converter timbres e detalhes de Depeche Mode ou New Order para o século 21, sem adulterá-los ou copia-los. Claro, a música eletrônica de larga escala e para consumo via paradas pop, passa, necessariamente, pela tal EDM, uma vertente popeira e meio sem graça do que havia nos anos 1990 e que foi deixada de lado em favor desse apelo de estádio que a música sintética hoje tem. Sendo assim, os sintetizadores, os timbres e tudo mais precisa ser pensado para grandes espaços e a música do Chvrches tem essa característica: é dançante, intensa e tem, sim, uma visão ampla, comportando refrães bombásticos, melodias simples – nunca simplórias – e uma pegada pop que, quando bem utilizada, faz maravilhas.

 

O trabalho anterior do grupo, “Love Is Dead”, veio produzido por Greg Kurstin, o cara que assinou trabalhos de gente tão distinta como Foo Fighters, Paul McCartney e Adele, com origem no pop de larga escala. A banda aprendeu muito com ele e vem auto-produzida em “Screen Violence”, que significa um passo atrás em termos de popice, mas não abandona a característica palatável da música que o trio faz. Pelo contrário, houve um enriquecimento lícito nos timbres e nos arranjos, junto com uma fornada especialmente bacana de canções. As dez faixas que compõem o álbum têm uma coesão impressionante, segurando muito bem a onda ao longo dos 43 minutos de duração. Em algumas, Lauren chega muito perto do ideal para uma vocalista em sua posição e isso acontece sem derrapar em qualquer forma de exagero, ao contrário, tudo é muito elegante e não apela para modismos como trap ou outra etiqueta, apenas para soar moderníssimo.

 

Há duas canções que se destacam muito em relação às outras. “Final Girl” e “Better If You Don’t”. A primeira é uma balada oitentista clássica, com timbres elegantes de teclado e que pode ter uma origem genética no ideário do Abba no que diz respeito a grandes faixas em midtempo com drama na medida certa. As batidas são ótimas, há guitarras e refrãos maravilhosos, tudo no lugar. A segunda é uma semi-balada com timbres de guitarra e baixo que lembram o New Order, mas vai muito além disso, com uma melodia de gente grande e uma interpretação maravilhosa. Dá vontade de dar um abraço em Lauren. Além delas, há outros destaques, como o single “He Said, She Said”, a colaboração com Robert Smith em “How Not To Drown” e “Good Girls”. E detalhes bacanas, como o climinha de tecno 80’s de “Lullabies”, que se insinua por um timbre de bateria deslavadamente sintético, ou pelas guitarrinhas subterrâneas de “California”, que mostra como o sol do Oeste americano pode ser frio. No bom sentido.

 

No fim das contas, “Screen Violence” é um bom disco de música pop com teclados, feito com sentimento, ótimas canções e talento de sobra. Se você quer uma música de hoje, sem a complicação da modernice trendsetter e midiática, a discrição do Chvrches é o que você estava esperando.

 

Ouça primeiro: “Final Girl”, “Better If You Don’t”, “He Said, She Said”, “How Not To Drown”, “Good Girls”, “Lullabies”, “California”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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