Bruno Souto – Valsa
Gênero: Rock alternativo
Duração: 37 minutos
Faixas: 10
Produção: Bruno Souto
Gravadora: Independente/Passa Disco
Bruno Souto foi integrante de uma bela banda da Recife pós-Mangue, a Volver. Ela teve sua carreira nos anos 00, um tempo espantosamente já distante na nossa memória, a ponto de quase não lembrarmos do que aconteceu ali. Pois Bruno e seus companheiros eram discretos e talentosos mestres na fusão do rock mais recente – então – que derivava basicamente do enxugamento estético proposto pelo binômio Strokes/White Stripes, mas com uma diferença fundamental: a doçura em letras e arranjos. Enquanto os originais americanos pisavam fundo no cinismo e na esquisitice planejada, Volver – e gente como Moptop, Leela e outros – eram sinceros, românticos e pensavam ter imensas chances de conquistar um lugar à sombra. Pois bem, isso não aconteceu. A Volver teve três discos lançados e Bruno, dois. Agora, com “Valsa”, ele revisita essa trajetória com olhos de hoje.
Na História a gente dá muito valor à memória, especialmente porque ela é a maneira como enxergamos os fatos que aconteceram no passado. É uma foto, tirada hoje, do que aconteceu. Podemos, daqui a anos, tirar outra e ela, ainda que tenha o mesmo campo de visão, será diferente. É assim que a vida passa, portanto, Bruno nos dá a impressão do que pensa hoje de sua trajetória e isso é precioso. “Valsa”, cujo título alude ao gênero musical harmonioso, cheio de cordas e andamento característico, também quer dizer como Bruno enxerga sua produção musical. Ele poderia dividir estes termos usados aí em cima para suas próprias canções. E não estaria errado.
O que se ouve ao longo das dez faixas é uma sequência de belas gravações, cheias de detalhes ricos. Vozes dobradas, andamentos pontuados por pianos, teclados, violinos, metais, toda uma produção luxuosa que confere pompa e dimensão a canções que foram compostas como rocks. E isso é legal, porque Bruno consegue escapar do terreno movediço das releituras empasteladas e falsas, feitas para prolongar carreiras ou justificar contratos. Como estamos na dimensão da mais absoluta independência, tudo aqui é sincero e visa agradar aos fãs e ao próprio Bruno.
Na verdade, oito das dez faixas são regravações. A abertura – “Onda” – e o encerramento – “Cuidado” – são inéditas. As faixas restantes se colocam convidativas para que o ouvinte as compare com as gravações originais. Em muitos momentos os novos arranjos realçam a belezura delas. Dois exemplos são bem emblemáticos: “Pra Deus Implorar”, que abria o belo álbum “Acima da Chuva”, de 2008, era um rock encrespado, dotado de melodia bonita e um arranjo que privilegiava guitarrinhas crocantes. Tornou-se uma elegante faixa em midtempo, com acento beatle e elegância à toda prova. “Acima da Chuva”, faixa-título daquele disco, outrora uma interessante construção com andamento psicodélico e clássico, tornou-se um baladão à la Guilherme Arantes, com pianos grandiosos e andamento lento.
Tal exercício de revisão/reinvenção mostra que Bruno é um cara que, além de talentoso, tem perspectiva e condições de investigar sua própria produção muito mais do que a maioria dos compositores vigentes no combalido rock nacional. Se você nunca ouviu nada da Volver ou de sua carreira solo, este disco é uma porta aberta e convidativa.
Ouça primeiro: “Pra Deus Implorar”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.