Projota x flávio bolsonaro
Hoje, terça-feira, é dia de paredão no bbb. Eu, tal qual um fumante passivo com tosse carregada, sei disso mesmo sem ver o programa. Segundo a bolsa de apostas do reality global na qual se transformou o twitter, José Tiago Sabino Pereira, nome de batismo do rapper paulista Projota, deve ser o eliminado, seguindo a lógica justiceira e zeladora dos bons costumes que caracteriza a audiência da atração televisiva. Bem, audiência, participantes e anunciantes que se abracem em amor e congraçamento. Fico pensando como seria se o senador flávio bolsonaro estivesse participando do elenco do bbb e como reagiria a audiência se soubesse que ele adquiriu uma mansão em Brasília pelo preço módico de seis milhões de reais.
Isso mesmo: seis milhões de reais.
E o pior: reportagens veiculadas ontem dão conta de que o valor é bem menor do que o preço real do imóvel, o que sinaliza algum tipo de negociação escusa, estranha e fora dos padrões.
Pelo que apurei aqui e ali, vi que o salário de um senador é de 34 mil reais. Mesmo com todos os auxílios que essa gente recebe, como faz para uma pessoa conseguir juntar o valor de seis milhões para comprar um imóvel à vista? Sou bem ingênuo, não? Desconsiderei os negócios no ramo da franquia de chocolates e do comércio de cítricos, o que, certamente, confere ao senador o capital necessário para investir.
Tal fato é um escárnio por conta do momento que o país vive, pelas acusações pendentes sobre o senador – rachadinha, envolvimento com milícias, vários tipos de falcatruas, lavagem de dinheiro – mas também é uma declaração muito objetiva: essas pessoas não têm qualquer pudor em exibir diante da opinião pública o seu poder e ostentá-lo, batendo no peito em desafio. “Quem vai me impedir de comprar um casa de seis milhões?”. E é isso mesmo, quem irá? O país assiste congelado e pasmo diante desta sucessão de golpes em todos os campos da vida social, política e econômica que é o governo bolsonaro. Eu não me recordo de um momento tão sério na vida do país, um tempo em que tudo o que parecia certo e lógico foi, simplesmente, revirado de cabeça pra baixo, num looping constante de aviltamentos e escárnios.
A certeza da impunidade é a grande declaração que flávio faz diante do país. Ele pode estar encrencado na justiça, relativamente queimado diante da opinião pública, nada disso o impede de adquirir o imóvel. E também não há qualquer temor de que tal ato possa arranhar a imagem do governo de seu pai, porque é outro que também não demonstra qualquer temor sobre isso.
Aliás, o governo segue sua conduta inexorável de desprezo em relação ao povo e ao país, em meio ao crescimento exponencial da covid-19 e da incerteza sobre o provimento de auxílio emergencial. Só para vocês terem uma ideia, ontem conversei com uma amiga muito querida que mora em Dublin, capital da Irlanda. Lá o lockdown é total desde dezembro, naquela base de não poder dar a volta na esquina sem um bom motivo. E o governo provê 1500 euros (nove mil reais) por pessoa desde o início da pandemia. O povo está cansado, protesta pelo afrouxamento das normas de isolamento mas não há qualquer perspectiva sobre o retorno à normalidade enquanto a doença não estiver rigorosamente sob controle. E eles estão muito mais próximos disso. Aqui, ao contrário, batemos diariamente a média móvel de vítimas, empilhamos corpos e seguimos firmes rumo aos 300 mil mortos (ou quantos mais vierem diante da inoperância total do governo).
Parecemos um longa de Mad Max, com clãs e tribos brigando entre si, enquanto alguns poucos abnegados conseguem a vacina para imunizar as pessoas numa lógica de absoluta exceção.
Quando será que flávio bolsonaro se mudará para a nova casa? Se alguém compra um imóvel em algum lugar, é porque pretende estar presente, certo? Se o imóvel se situa em Brasília, não deve ser muito difícil concluir essa equação.
Já sei como será minha noite logo mais: estarei trabalhando, arrancando os olhos diante do computador, com prazos e compromissos, quando a vizinhança irromperá em fogos e gritos de “fora, Projota!”, “vai se foder, Projota!” ou “chupa, Projota” enquanto flavio planeja a decoração de seu novo lar. De seis milhões de reais.
Merecemos isso, sejamos sinceros.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Todos os dias quando acordo, penso ainda bem que foi apenas um pesadelo feio e perturbador, mas quando chego ao trabalho e ligo o PC e leio as noticias, lamento a realidade triste e imensurável, até quando……!!!!!
Rapaz, eu só entro no twitter pra postar as notícias da Célula Pop mesmo. Do contrário, eu nem teria perfil lá. É uma sucessão de vergonhas alheias em vários níveis.
É isso mesmo. Texto irretocável, meu caro. Inclusive eu decidi dar um tempo até do Twitter porque os comentários a respeito de BBB ficaram insuportáveis e eu não estou com saúde para isso. Até porque a ala da “esquerda” mais oba-oba e sem consciência de classe abraçou o programa e fica brava se a gente critica.