Animal Collective: Entre o experimentalismo e o pop perfeito
Animal Collective – Isn’t It Now?
64′, 9 faixas
(Domino)
Quem conhece o Animal Collective sabe muito bem da busca incessante do quarteto de Baltimore por um equilíbrio sonoro. De um lado, o folk psicodélico-eletrônico experimental porra-louca, que faz o Flaming Lips parecer uma banda de sarau estudantil. Do outro, o fraco por um pop atemporal e solar, com muita influência de Beach Boys e similares. Deste jeito, Avey Tare, Panda Bear, Geologist e Deakin, a própria coletividade animal, vêm mantendo sua carreira desde 1999, quando começaram a ensaiar e formatar sua proposta sonora. No ano seguinte lançavam “Spirit They Gone, Spirit They’ve Vanished”, iniciando uma trajetória que chega ao décimo-segundo álbum, este bom “Isn’t It Now?”, no qual dão mais um passo rumo à dosagem mais parcimoniosa da porralouquice em favor de um approach mais, digamos, normal. Só que o AC não tem vocação para a normalidade, pelo contrário. Mesmo em seus momentos mais convencionais, o grupo soa distinto e diferente. E esse parece ser seu grande charme.
“Isn’t It Now?” é considerado pela própria banda como uma espécie de irmão gêmeo do trabalho anterior, o bom “Time Skiffs”, lançado em fevereiro de 2022. Ambos têm em comum o pendor maior para a acessibilidade, mas, como dissemos, nos próprios termos ditados pelo grupo. Não se trata de facilitar ou banalizar nada, mas de oferecer acessos mais fáceis ao ouvinte. O melhor exemplo dessa popice do Animal Collective continua sendo o hit “My Girls”, do ótimo “Merriweather Post Pavillion”, de 2009. Neste álbum, meio que um marco divisório na carreira do grupo, o AC encontrou, talvez pela primeira vez, a fórmula de ciscar no terreiro ensolarado sem abrir mão de sua esquisitice. Desde então, seus álbuns têm uma ou outra canção nos mesmos moldes e aqui a coisa não é diferente. Com a produção da banda e do engenheiro Russell Elevado, “Isn’t It Now” tem ótimas sacadas. Mas, é bom que se diga, caso você esteja ouvindo algo dos caras pela primeira vez: o contato inicial com a musicalidade dos sujeitos vai causar estranheza e, não se espante, é assim mesmo.
Como nada é o que parece, por mais que seja acessível, este álbum enverga, orgulhoso, uma faixa com … vinte e dois minutos de duração. Com o nome de “Defeat”, ela soa como se o Yes tivesse surgido 2018 na Califórnia. Tudo parece sugerir uma largação dominante, mas, sobre o clima de sons aqui e ali, há sempre algo acontecendo e, do nada, surgem melodias e esboços de canção, dando a impressão de que o ouvinte está num berçário de sons. Outro momento longo é “Magicians From Baltimore”, novamente imersa nos padrões do que um dia foi o rock progressivo, mas apenas como uma referência para ouvinte desavisado. Repitimos: aqui nada é o que parece ser. Os momentos mais convencionais batem um bolão. Por exemplo, a balada de piano, voz e efeitos “Stride Rite”, é uma lindeza surpreendente. Os vocais harmonizados, o ritmo quebrado, os efeitos de percussão, tudo é lindo e bem feito. “All The Clubs Are Broken”, por sua vez, a menor canção do álbum – com dois minutos e quinze segundos – é um hit pop psicodélico sessentista que veio de um universo paralelo e pousou no álbum dos sujeitos.
Os melhores momentos estão concentrados em três faixas. “Soul Capturer”, um dos singles, é puro Beach Boys refeito, repensado e reembalado para os tempos atuais. Tem andamento fofo, vocais que se dobram sobre si mesmos e um clima ensolarado e esquisito que parece sintetizar tudo o que o Animal Collective deseja ser. “Genies Open”, alterna ritmos igualmente beachboyanos em sua construção mas, quando o ouvinte pensa que vai assim até o fim de seus quase oito minutos, o ritmo muda para algo que poderia ser do Yo La Tengo fase 1998, num groove dinâmico que parece feito por inteligências artificiais zombeteiras. E o hit “Gem & I” é uma realidade quase reggae, misteriosa, com vocais ocultos que surgem de repente e um arranjo invertebrado que confunde o ouvinte desconfiado da popice que está presenciando. Uma belezinha.
O Animal Collective é um grupo regular em sua oscilação em busca de equilíbrio ou de uma razão para contrariar os partidários de suas duas facetas sonoras. Sempre consegue bons resultados e com este bom “Isn’t It Now?” não é diferente. Vá em frente e se perca.
Ouça primeiro: “Gem & I”, “Soul Capturer”, “Genies Open”, “Stride Rite”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.