A renascença pop de Tony Bennett nos anos 1990

 

 

Tive a sorte de crescer numa casa musical. Minha mãe e avós tinham vários discos e o costume de ouvi-los com frequência. E, como se não bastasse, falavam sobre música com naturalidade. Não havia nenhum álbum de Tony Bennett por perto, tampouco de Frank Sinatra, cantores que haviam atravessado décadas e se mantinham, mesmo nos anos 1970 – quando eu tinha entre 0 e 10 anos – bastante relevantes. Meu avô e minha mãe gostavam muito de Sinatra e Bennett, especialmente minha mãe, que se casara com meu pai nos Estados Unidos e nutria uma admiração intensa pela terra do Tio Sam, de um jeito meio exagerado até. Porém foi ela, com aquela fascinação, que me apresentou os primeiros ítens da cultura pop de lá, tão importantes para a minha formação como ser humano fã de música, filmes, séries etc. E esses cantores veteranos americanos significavam uma força atemporal daquele país, algo perene e interessante, que trazia em seu bojo um passado de imigração italiana, de ideia de América, de sonho americano, tudo junto e misturado, com pitadas de cassinos de Las Vegas, sonhos com a Disneylândia e um monte de outras coisas. Sim, era algo misturado e sem uma forma, mas Bennett, por toda a sua vida, este conectado com esta ideia americana de superação, realização de sonho e existência em diálogo constante com este “sonho americano”.

 

Sua morte hoje, dia 21 de julho de 2023, aos 96 anos, é um desses momentos em que tomamos ciência absoluta do nosso lugar no tempo. De certa forma, eu, assim como o próprio Tony, sou uma relíquia do século passado em constante processo de assimilação do tempo. Nada como a sensação da finitude do tempo, certo? E numa época em que o tempo parece infinito em sua rapidez diária, esta impressão se torna ainda maior e menos confortável. Pois bem, nada melhor que lembrar do velho Tony em ação numa época em que parecia carta fora do baralho, o início dos anos 1990. Depois de uma década de 1970 com momentos gloriosos – ainda que decadentes – ao lado do gênio Bill Evans, com quem gravou dois belos álbuns, “The Tony Bennett/Bill Evans Album” (1975) e “Together Again” (1977) – Tony meio que sumiu nos anos 1980. A não ser pelo bom disco “The Art Of Excelence” (1986), ele não fez nada de relevante e parecia carta fora do baralho, uma situação que mudaria completamente na década seguinte.

 

 

 

 

Com a carreira gerenciada pelo filho, Danny Bennett, Tony registrou um belo álbum em 1990, “Astoria: Portait Of A Artist”, no qual revisitava canções da juventude e incorporava alguns novos compositores em sua carteira. Acompanhado pelo ótimo Ralph Sharon Trio, ele e seu filho perceberam que o tempo havia passado em quantidade suficiente para existir uma novíssima audiência em potencial, completamente desconectada de seu trabalho prévio. A partir daí, Danny viu nos talk shows americanos um reduto ideal para chamar esse novo público e passou a oferecer o pai como atração para programas como “Late Show With David Letterman” ou “Late Show Conan O’Brien”, com sucesso. A partir daí, Tony começou a ser visto na MTV e mesmo nos shows dos Muppetts ou até nos Simpsons. Com isso, ficou latente a necessidade de pensar em clipes e outros produtos mais modernos para veicular a imagem de um veterano como ele. É bom lembrar que Bennett voltou a fazer sucesso sem qualquer concessão. Nenhuma mudança em aparência formal, seu estilo de canto, acompanhamento musical (com The Ralph Sharon Trio ou uma orquestra) ou escolha de repertório (geralmente o Great American Songbook), absolutamente o mesmo Tony de outros tempos. Deu certo.

 

 

 

Em 1992, Bennett lançou um álbum em homenagem a Frank Sinatra, chamado “Perfectly Frank”. Com 24 faixas, escolhidas tendo em mente as mais definitivas para fazer de Frank um ícone da canção americana e mundial, o álbum foi Disco de Ouro e recebeu aclamação da crítica, confirmando a boa fase insinuada em “Astoria”, de dois anos antes. O impacto do trabalho foi tanto que o próprio Sinatra lançaria um disco em busca deste interesse renovado em veteranos: “Duets” chegou em 1993 com enorme badalação e clipe na MTV para “I’ve Got You Under My Skin”, com participação de Bono, do U2. Era a primeira vez que o velho Frank aparecia na MTV após o sucesso de “LA Is My Lady”, seu disco de 1984, produzido por Quincy Jones. Pois bem, Bennett gravou em 1994 “Steppin’Out”, que, assim como “Perfectly Frank”, chegou à marca do Disco de Ouro. O sucesso e a renovada força da imagem de Tony o levou a emplacar o clipe de “Steppin’Out With My Baby” em alta rotação na programação da emissora especializada em música. O disco nasceu com o conceito de fazer homenagem ao repertório que ficara famoso nos anos 1940/50 na voz de Fred Astaire. A resposta da audiência da MTV foi tão grande que Bennett foi convidado para gravar um episódio da série Unplugged.

 

 

 

 

O novo álbum, com o registro da apresentação de Tony para a MTV, também chegou ao Disco de Ouro e, mais ainda, ganhou o Grammy de Melhor Álbum de Pop Vocal Tradicional em 1995. Ainda que Bennett sempre tenha sido “desplugado” (ele fez essa piada durante a gravação), seu encaixe no espírito do show foi total e espontânea. Acompanhado pelo Ralph Sharon Trio, ele desfilou suas novas gravações de “Steppin’Out” e relembrou sucessos de tempos idos, com direito a standards de Cole Porter (“All Of You”), Irving Berlin (“Steppin’Out With My Baby”, “I Love A Piano”) e várias composições dos irmãos Ira e George Gershwin, como “A Foggy Day”, “The Girl I Love” e “They Can’t Take That Away From Me” (com participação de Elvis Costello). A cantora canadense k.d Lang também fez parte do show, duetando com Bennett em “Moonglow”. O entrosamento dos dois foi tamanho que eles gravariam um álbum juntos, “A Wonderful World”, em 2002. O maior sucesso da carreira de Tony foi o ponto alto de seu “Unplugged MTV”: “I Left My Heart In San Francisco”.

 

 

 

 

Esta primeira metade de década de 1990 reinventou a carreira de Tony. Ele se tornou uma figura popular e requisitada para vários eventos. Aproveitou o embalo e lançou vários trabalhos colaborativos ao longo dos anos, com presenças de gente como Stevie Wonder, Billy Joel, Ray Charles, Paul McCartney, Sting, Bono, entre outros. Teve álbuns inteiros com Lady Gaga (“Cheek To Cheek”, de 2014, que renovou ainda mais sua audiência) e Diana Krall (“Love Is Here To Stay”, 2018) e, seguiu atuante até quando foi possível. Sua obra é monumental e precisa ser conhecida. Porém, se ele chegou até aqui com uma popularidade enorme (quase três milhões de ouvintes regulares no Spotify), isto se deve a este recorte temporal, de 1990 a 1995, quando o homem renasceu e se reinventou para as massas. Descanse em paz.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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