Blur envelhece graciosamente em novo álbum

 

 

 

Blur – The Ballad Of Darren
36′, 10 faixas
(Parlophone)

 

5 out of 5 stars (5 / 5)

 

 

 

 

O Blur de 2023 é o mesmo de 1991. Ou de 1994/95. Ou de 1999. Não me refiro apenas à manutenção dos integrantes da banda desde o início dos tempos, mas à coerência com que o grupo se portou ao longo de 32 anos de carreira e nove discos – marca alcançada agora, com este lindo “The Ballad Of Darren”. Trata-se de uma banda essencialmente inteligente e sensível. Que não se conforma em ver gente retrógrada, careta e burra grassando por aí. Ao mesmo tempo em que poderia sentir saudade do Reino Unido dos tempos de Cool Britannia, o Blur prefere disparar contra o cenário cultural e social do país hoje, quando vive tempos de pós-Brexit, pessimismo, conservadorismo e ascensão da extrema direita – com a qual os governos ingleses recentes foram coniventes. O Blur não se conforma. Damon Albarn, Dave Rowntree, Alex James e Graham Coxon poderiam sossegar, afinal de conta, têm a vida mansa, seus projetos paralelos bem-sucedidos, conforto material…mas não. O resultado desta inquietação se posiciona em lugar privilegiado na carreira do grupo e isso não é tarefa fácil.

 

 

Entre 1992 e 1999, pelo menos, o Blur foi uma força criativa naquela Inglaterra fértil de então. Criou discos que estão entre os melhores produzidos pela música pop na década de 1990 e, desde 2003, só lançou três álbuns de inéditas, contando com este. Se em “Think Tank” (2003) e  “The Magic Whip” (2015), a banda parecia meio fora de foco, aqui o foco é total. E dá pra dizer que há quase este conceito maior, o de avaliar a vida e o cotidiano deste país/mundo que chegou até aqui. “The Ballad Of Darren” é um disco que se mostra triste e meio perplexo diante destes tempos atuais. É um trabalho de sensibilidade, ainda que pareça incoerente para senhores de meia idade bem sucedidos, que, no passado, criticaram senhores de meia idade bem sucedidos, sigam fazendo isso, mas Damon Albarn é um baita compositor, com verve de sobra para focar em outros detalhes. Se a crítica do passado era mais irônica e divertida, aqui ela é ácida, fruto de um travo amargo na boca, causado pela rapidez, pela solidão, pela sensação do tempo passando diante dos nossos olhos sem que tenhamos como freá-lo. Já seria legal se fosse apenas isso, mas o Blur apresenta este panorama ao seu fã na forma de ótimas canções pop, talvez tão bem arranjadas como em seus melhores momentos do passado.

 

 

Damon Albarn compôs e registrou versões embrionárias da maioria das canções no fim de 2022, quando esteve no Canadá. Depois, por conta do agendamento de dois shows no estádio de Wembley, sugeriu que a banda registrasse o material e lançasse um álbum inédito para acompanhar as apresentações. Dito e feito. Recrutaram o produtor James Ford, que já assinou álbuns do Arctic Monkeys e de Florence + The Machine, e se entocaram no estúdio caseiro de Damon para as gravações. Deste encontro, descompromissado e livre das pressões contratuais dos tempos idos, a banda rendeu tudo o que pode e, com o afago do tempo, demonstrou um gracioso envelhecer, daqueles que esbanjam sabedoria e noção de onde e quando estamos. O título do álbum homenageia de forma lúdica o guarda-costas da banda, Darren “Smoggy” Evans e, talvez usando esta dimensão como meio de se comunicar, abre o peito em vários momentos. Por exemplo, o primeiro single, “The Narcissist”, fala sobre os vícios que Albarn e Coxon costumavam ter num arranjo vocal de canto e resposta. A letra também aproveita para chamar os ególatras, egoístas e sem-noção às falas, alertando-os do pouco tempo que resta ao planeta, ao mundo, à finitude da própria vida.

 

 

Em “Barbaric” (a nossa preferida do álbum), o Blur se entrega ao arranjo de bateria eletrônica intencionalmente datada e uma dinâmica que evoca Johnny Marr, com questionamentos sobre a perda dos sentimentos e a desorientação que isso pode causar em quem teima em viver sob os ditamos do bom senso e do cuidado com o próximo em meio a um mundo competitivo e desumano. “St. Charles Square”, encharcada de influências do David Bowie setentista e noventista, fala sobre monstros que estão sob o chão e atrás das paredes, que se colocam à espreita para tomar conta da situação ao sinal de um mínimo erro nosso. “Russian Strings” que, segundo Albarn, é uma crítica ao modelo ultrapassado de governo sob Putin, é, ao mesmo tempo, uma bela canção com cordas, arranjos e influências do pop americano do fim dos anos 1960, Glen Cambpell à frente, com uma riqueza estética muito grande. Estas canções são as que primeiro saltam aos ouvidos, mas, no fim das contas, não há, entre as dez faixas de “The Ballad Of Darren”, um único momento desperdiçado. Tudo funciona, se interliga e compõe um painel maior.

 

 

Este nono álbum do Blur é um aceno aos fãs que acompanham a banda há décadas, mas não só a eles. Qualquer pessoa que se interessar em ouvir as canções de “The Ballad Of Darren” vai se deparar com uma banda de peito aberto, assumindo sua idade, permanência e relevância ao longo do tempo. E aceitando o seu transcorrer e tudo o que implica esta aceitação. É disco pra ouvir, guardar e amar.

 

 

Ouça primeiro: “Barbaric”, “The Narcissist”, “St.Charles Square”

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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