O mundo e o disco good vibes de Lucas Mamede
Lucas Mamede – Já Ouviu Falar de Amor?
42′, 12 faixas
(Indepedente)
Aproveitando o título do álbum, eu pergunto a você: já ouviu falar de Lucas Mamede? Eu te atualizo: ele é um cantor e compositor pernambucano muito jovem, que está lançando seu primeiro álbum. Ele foi descoberto por Felipe Simas, empresário paranaense responsável pelo sucesso na carreira de Tiago Iorc e a descoberta/sucesso do duo tocantinense AnaVitória, a partir de vários vídeos que postou nas redes sociais tocando composições próprias e de artistas como Vitor Kley e o próprio AnaVitória. Enxergando ali um potencial comercial absurdo, Simas convocou o produtor Alê Siqueira, responsável pela sonoridade de gente como Tribalistas, Carlinhos Brown solo, Omara Portuondo e, mais recentemente, pela direção musical … da cerimônia de encerramento das Olimpíadas do Rio. Juntos, Simas e Alê, cada um no seu setor, são responsáveis pelo surgimento de uma provável nova estrela da música nacional, sem qualquer exagero.
Se você tem interesse pelo pop nacional atual, sabe que há um setor importante habitado por gente como os já citados Vitor Kley, Vitão e AnaVitória, além do grupo niteroiense Melim e similiares – o do pop good vibes. Essa galera surgiu na esteira de gente como o próprio Tiago Iorc, ao longo dos anos 2010, misturando levadas acústicas, melodias redondinhas, letras sentimentais e emocionais, tudo muito bonitinho, certinho e … monótono. O modelo não comporta muitas variações mas isso não atrapalha a idolatria do público em relação a estes novos artistas. Lucas Mamede vem se somar a essa galera, com um diferencial bastante significativo: a ideia de misturar esse pop good vibes, que já é 100% nacional, com as informações mais pertinentes à MPB mais clássica, dos anos 1970 em diante. Para isso, Alê Siqueira é parte indissociável da empreitada, pois ele é o responsável por dar um polimento técnico e estético na produção do jovem.
O resultado é bem agradável. Alê é muito bem informado, tem referências inegáveis e coloca todo este conhecimento a serviço das canções de Lucas, direcionando-as para um estuário em que informações da música nordestina tradicional e até da música latina desaguam. Com a presença de músicos cascudos por todo o álbum, entre eles, o sanfoneiro Mestrinho, espécie de diretor musical do repertório, “Já Ouviu Falar de Amor?” desce redondo e sem qualquer dificuldade, exceto pela impressão nítida de que é um trabalho mais de produtor que de artista. É evidente que Lucas jamais seria capaz de pensar em 1/1000 do que está no disco, o que não compromete este resultado. Sua voz jovem e as melodias lineares que ele oferece são sinceras e verdadeiras. Se o disco não tivesse a presença de Alê e dos músicos que ele recrutou – Jessé Sadoc, Felipe Roseno, Jacques Morelenbaum, Spok, o próprio Mestrinho, entre outros – certamente não teria muito interesse em meio ao mercado pop nacional atual.
Ao longo das faixas, vamos vendo como as presenças dos músicos e a expertise de Alê funcionam para o resultado final. Na faixa-título, o uso da sanfona, devidamente processado e adequado ao registro jovem de Lucas, causa uma impressão de novidade inegável. “Aquarela”, logo em seguida, traz o grupo vocal baiano Ganhadeiras de Itapuã, conferindo um ar imemorial ao que se ouve. Mérito também para a boa balada que é “Cinderela” a para a boa sacada que é a regravação de “Jardim da Fantasia”, de Paulinho Pedra-Azul. Além os originais, uma composição de Ana Caetano, metade do AnaVitória, “Dia de Chuva”. Detalhe: até a gravação do álbum, Lucas jamais havia pisado num estúdio e, somente em março, quando subir ao palco em Minas Gerais, ele terá feito o seu primeiro show.
“Já Ouviu Falar de Amor?” é superior em termos de qualidade, ideias e resultado a todos os álbuns de artistas do chamado pop good vibes atual. Resta saber como será para Lucas defender essas canções ao vivo e, sobretudo, como ele seguirá em eventual ausência de tamanho arcabouço técnico e estético. A conferir.
Ouça primeiro: “Cinderela”, “Já Ouviu Falar de Amor?”, “Aquarela”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.