Zé Renato – O Amor é um Segredo

 

 

Gênero: Samba, MPB
Duração: 27 minutos
Faixas: 9
Produção: Zé Renato, Tostão Queiroga, Lula Queiroga
Gravadora: Independente

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

Não parece, mas Zé Renato não é carioca, mas capixaba. Digo isso porque ele é um dos grandes intérpretes de uma delicadeza carioca que poucos sabem que existe. Geralmente, aos olhos e ouvidos do país, o Rio foi um lugar alegre e festeiro e hoje, tristemente, é quase um celeiro de pregadores neopentecostais, encastelados no poder, colocados lá pela alienação e opressão de um povo. Mas isso é assunto pra outro lugar. Mesmo assim, o Rio ainda tem memória e esta delicadeza, proveniente de um outro tempo, emerge aqui e ali. Paulinho da Viola é um dos bastiões de uma alegria/orgulho suburbanos que eram muito mais comuns do que hoje. Suas músicas sempre foram pequenos textos – seja por autoria, seja por interpretação – de um Rio gentil, lírico, honrado, cujos habitantes eram inseridos numa lógica social/emocional. E Zé Renato, feliz na escolha de reinterpretar nove obras de Paulinho, consegue chegar num nível muito próximo de precisão e fidelidade aos originais neste lindo “O Amor é um Segredo”.

 

As nove faixas foram gravadas num único dia, quase todas com arranjos minimalistas de voz e violão, pontuados eventualmente por uma percussão ou um instrumento de sopro ocasionais. A decisão é acertada e enfatiza um aspecto do samba de Paulinho, que é a contemplação, algo que não combina tanto com a alegria que nos acostumamos a associar ao samba. Quem o conhece, sabe que ele vai muito além, sendo muito afeito à tristeza, ao lamento, ao sofrimento. E Paulinho, dentro desta combinação de delicadeza e observação, é um dos seus maiores tradutores. Suas letras e canções não são alegres, porque ele escolhe o caminho mais duro do caminho. As raras ocasiões – como, por exemplo, “Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida” – em que se rende à alegria, o faz com impressionante sentimento. Zé Renato, ao escolher interpretá-lo, opta pelo caminho mais comum, o da beleza vinda da observação sentimental. Do olhar em primeira pessoa, envolvida na trama.

 

“Optei por nove sambas, boa parte deles não tão conhecidos. Nas escolhas que fiz, há também uma explícita dose de tristeza – tristeza que, a meu ver, percebe-se nos mais lindos sambas que conheço. A tristeza é senhora, disse Caetano”. Assim Zé apresenta as canções do disco e anuncia sua opção estética. Dentre as escolhas, está uma das mais belas canções em português de todos os tempos, “Cidade Submersa”, do álbum “Nervos de Aço”, gravado em 1973. O simbolismo da cidade sob as águas metafóricas foi alvo de uma mudança de significado pelas mãos de Chico Buarque, em “Paratodos”, quando gravou “Futuros Amantes”, mencionando o título de Paulinho. O arranjo tem a presença de Fabinho Costa no trompete.

 

“Foi Demais”, registrada no álbum “Zumbido”, de 1979, é um exemplo raro de gravação que usa a cadência mais clássica do samba, com presença destacada da percussão de Tostão Queiroga. Aqui a voz de Zé chega no mesmo terreno de Paulinho, cantando em tom baixo. “Vida”, logo em seguida, é a reafirmação do padrão do disco, enfatizando as levadas mais lentas e belas. O saxofone do maestro Spok pontua a faixa mais conhecida do álbum, “Para Um Amor No Recife”, cuja letra de redenção (“quero estancar o sangue e sepultar bem longe o que restou da camisa colorida que cobria minha dor”) ganha ênfase maior neste arranjo à meia-luz.

 

Este disco de Zé Renato poderia – e deveria – se transformar num espetáculo ao vivo, posteriormente gravado em audiovisual, mostrando a sobriedade/seriedade com que o repertório dourado de Paulinho da Viola é recriado por ele. Disco belo e importante.

 

Ouça primeiro: “Cidade Submersa”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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