Vi “Footloose” no drive-in…em 2020

 

 

Este título pode fazer menção a um programa que fiz na adolescência, não? Poderia, mas não faz. Aconteceu agora, mais precisamente, no dia 3 de outubro, quando, a convite do Telecine Open Air, fui conhecer as instalações na Marina da Glória e, de quebra, assistir a este pequeno clássico oitentista, o qual, pasmem, eu nunca tinha visto. Se há algo que a pandemia da covid-19 trouxe de razoavelmente bom foi o ressurgimento dos drive-ins, aquela modalidade motorizada de cinema, no qual você chega com seu carro, estaciona e assiste a um filme bacana. No passado remoto, tive chance de ir ao que ficava na Lagoa, Zona Sul do Rio, ver um filme que, provavelmente, era algum desenho animado da Disney. Lembro que havia drive-in na Ilha do Governador, também. Há várias diferenças para aqueles primos distantes do Telecine Open Air de hoje, mas o conceito é o mesmo, o que é bem legal.

 

Em tempos de Internet e pandemia, tudo é feito online. Você baixa um aplicativo para fazer pedidos de guloseimas – ainda que ganhe um suprimento de pipoca logo de cara, por conta da casa – e, não só isso: marca idas ao banheiro e, caso tenha levado um cachorro, gato ou sabe-se lá que bicho de estimação, pode até ir com ele num espaço específico para que ele faça suas necessidades. Tudo bonitinho e organizado. O som é sintonizado numa frequência no rádio do carro e funciona muito melhor do que as velhas caixinhas de som que povoavam as vagas nos drive-ins de antanho. E a tela é grande, bem posicionada, com visualização ok. Se você é alto – meu caso – recomendo reclinar poltronas para poder enxergar tudo, mas, uma vez feito, tudo corre bem. E, a partir daí, basta entrar na onda do filme, algo que acontece naturalmente, devido à imersão que a experiência proporciona. Tudo funciona que é uma beleza. Com 325 metros quadrados, área equivalente a uma quadra de tênis, o equipamento veio da Suíça em um navio. Para se ter uma ideia das dimensões do espaço de projeção, as legendas têm 1,5 metro de altura.

 

O Telecine Open Air ofereceu várias opções de filmes ao longo do mês de setembro, indo de “Ghost” a “Laranja Mecânica”, passando por “Um Lugar Chamado Notting Hill”, “Nós” e vários outros, todos conhecidos do público, sem pretensão de atrair fãs de estreias ou algo assim. Se você admira um determinado longa e ele surge na programação de um drive in, acho naturalíssimo revê-lo tendo em vista esta experiência. Mas, no meu caso, a coincidência de agenda me levou a “Footloose”, que, não lembro por que motivo, deixei de ver lá em 1984, quando chegou como um raio às telonas de então, propulsionado pelo hit single que foi a faixa-título, composta e interpretada por Kenny Loggins. E, sim, ela aparece inúmeras vezes ao longo das duas horas de projeção, ao lado de sucessos adoráveis do início daquela década, como “Let’s Hear It For The Boy” (Deniece Williams), “Holdng Out For A Hero” (Bonnie Tyler), a ótima “Dancing In The Sheets” (Shalamar) ou “Waiting For A Girl Like You” (Foreigner). Dirigido por Herbert Ross, o mesmo que assinou longas como “A Garota do Adeus” ou “Funny Girl” nos anos 1970, “Footloose” tem um enredo que poderia soar estapafúrdio mas até que ganha certa relevância neste tempo estranho de hoje.

 

Na cidadezinha de Bomont, num cafundó interiorano dos Estados Unidos, os jovens são proibidos de … ouvir música e dançar. Sim, isso mesmo. Apesar de não haver lei escrita que determine isso, o reverendo local, Shaw Moore (John Litgow) determinou que tais ações são indutores do sexo, das drogas e da lascívia. E todo mundo aquiesce, sem muita resistência. Até que chega à cidade Ren McCormick (Kevin Bacon, estreando nas telas), um jovem de Chicago, urbanoide, malandrão, que se amarra em dançar e curtir um bom rockão no rádio de seu adorável fusquinha. Claro que ele entrará em choque com o obscurantismo local, batendo de frente com o tal reverendo e alguns estudantes da escola local, totalmente inseridos no modelito de “americano burro e conservador” muito vigente nesses filmes oitentistas em que há um sujeito idealista, porta-voz de uma modernidade de costumes e postura, que entra em choque contra o sistema local. Acontece aqui e em “Top Gun”, “Curtindo a Vida Adoidado”, “Flashdance” e por aí vai.

 

“Footloose” se desenrola a partir dessas questões em volta de McCormick, cuja postura irá encantar as meninas locais, especialmente a idealista Ariel (Lori Singer), que também quer dançar e ouvir rock, ora bolas. E tudo irá conspirar para que o casal se una na busca pela liberdade da juventude poder fazer o que bem entender. No meio do caminho dá pra ver várias manifestações inacreditáveis de intolerância por parte das pessoas da cidade, chegando mesmo a queimar livros que eles acreditam ser má influência para os jovens. E há algumas sequências em que Ariel apanha do namorado, sem qualquer cerimônia, e o pai, tão zeloso pela integridade dos jovens da cidade, nem liga ou se importa em ver a filha toda machucada. Típico, né?

 

O filme é linear, sem surpresas, com algumas sequências de dança inacreditáveis tamanha a canastrice envolvida. Bacon, um canastrão querido de quem começou a ver cinema nos anos 1980, não decepciona, mostrando que é um ator limitadíssimo já na origem, mas cuja versatilidade o transformou num dos rostos mais vistos nas telonas nos últimos, sei lá, quarenta anos. No fim das contas, pareceu uma boa escolha pra se ver num drive-in, gerando aquelas risadas involuntárias que caracterizam este tipo de filme. Quanto às instalações, tudo nos trinques, nos conformes, com pontualidade, cuidado, atenção à covid-19 e eficiência. Na saída, funcionários preocupados com o lixo e a eficiente orientação no trânsito não nos fizeram perder tempo. Uma boa pedida pra sair um pouco de casa em segurança.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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