Vem ouvir Triste Janero cinquenta anos depois

 

Esta é para os colecionadores contumazes de raridades discográficas. Digam o nome de uma banda americana, influenciada por melodias brasileiras – especialmente a Bossa Nova – que tenha gravado nos anos 1960. E não vale citar Brasil 66, porque, afinal de contas, era uma banda … brasileira, capitaneada por Sergio Mendes, o filho mais ilustre de Niterói depois de Arariboia. Não sabe? Pois eu te digo: o quinteto texano Triste Janero (assim, escrito errado mesmo).

 

Não se culpe porque poucos sabem da existência do grupo, que, afinal, só gravou um álbum em 1969, o singelo “Meet Triste Janero” e o lançou pela ainda mais obscura gravadora White Whale. Fiquei sabendo do Triste Janero há alguns anos, por conta do lançamento do LP em CD pelo selo inglês Rev-Ola. Foi quando o trabalho dos sujeitos se tornou um pouco mais conhecido, uma vez que pouquíssimas pessoas chegaram a saber que o grupo sequer existia. Dia desses o simpático Spotify me lembrou do disco e sugeriu que eu ouvisse “In The Garden”, a penúltima faixa de “Meet Triste Janero”. Deixei escapar um sorriso quando reouvi a canção.

 

Para cricríticos de música, a sonoridade soft pop do grupo deve soar entediante, mas eu lhes asseguro que ouvir o álbum é como ser acarinhado por alguém muito amado. São onze músicas em 33 minutos e vários, muitos momentos legais. Pra começar, Barbara Baines, a vocalista, era mais uma dessas rainhas hippies pós-adolescentes, que pipocavam nos Estados Unidos da época. O grupo iniciou sua carreira em Dallas, cidade do conservador estado do Texas, algo que só aumenta a excentricidade em torno do grupo e de seu disco único. Podemos dizer que o pessoal do Triste Janero era formado por fãs de Sergio Mendes e sua música brasileira para gringo ouvir e ver. Não por acaso, Baines é a vocalista que emula registro doce de Lani Hall e Astrud Gilberto, as duas musas cantoras em atividade nessa seara na terra do Tio Sam da época.

 

Só que a sonoridade do grupo é mais que uma moça bonitinha cantando adocicadamente. Os músicos, especialmente o arranjador, guitarrista e vocalista Norm Miller segura a onda em suas funções e imprime um acento jazz-pop inicial ao longo das faixas, algo que era meio revolucionário, especialmente no terreno do pop radiofônico, nicho em que o Triste Janero pretendia se encaixar. Como era praxe na época, o disco vem com algumas versões muito interessantes. Há uma manjada leitura de “Walk On By”, clássico absoluto de Burt Bacharach e Hal David, devidamente formatada como híbrido jazz/pop/psicodélico. Também tem uma leitura de “Without Her”, transformada em “Without Him”, de Harry Nilsson, gravada na época pelo Blood, Sweat and Tears, com muito sucesso. E, claro, uma rendição com guitarra e órgão para “How Insensitive”, a nossa “Insensatez”, de Tom Jobim.

 

E há, claro, os originais. Tem instrumental de abertura, a linda “A Beginning Dream”, que as bandas da Sarah Records dariam tudo para ter composto e que reverbera na oitava faixa, “You Didn’t Have To Be So Nice”. Tem a simpaticissima “Rene De Marie”, com um belo trabalho vocal de Barbara, a levada invocada e subliminar de “Today It’s You”, com muito balanço e belo trabalho de bateria e a popíssima “In The Garden”, já mencionada aí em cima. E um instrumental sensacional de quase oito minutos fecha os trabalhos, emulando algo que o … Santana poderia ter composto lá por 1972, “TJ Blues”.

 

A gente sempre fica pensando em como há trabalhos que ultrapassam o teste do tempo, mesmo que tenham fracassado em chamar a atenção na época em que foram lançados, compostos, realizados. Este é o caso de “Meet Triste Janero”, uma lindeza direito de 50 anos atrás, direto para o lado esquerdo do seu peito, isso, claro, se você tiver um coração batendo aí dentro.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *