Valorizando a Sessão da Tarde de Léo Jaime

 

 

 

 

Sempre que surge alguma lista de melhores discos do rock nacional dos anos 1980, eu procuro por “Sessão da Tarde”, segundo álbum de Léo Jaime. Nem sempre o encontro, o que é uma das maiores injustiças possíveis. Dá pra dizer facilmente que este trabalho, lançado em 1985, está em pé de igualdade – artística e comercial – em relação aos mais badalados discos surgidos naquele ano. Não custa lembrar que foi em 1985 que vieram “Educação Sentimental” (Kid Abelha), “Normal” (Lulu Santos), “Nós Vamos Invadir Sua Praia” (Ultraje A Rigor), “Televisão” (Titãs), “Mudança de Comportamento” (Ira!), “Rita Lee” (Rita Lee) e o blockbuster “Revoluções Por Minuto” (RPM), só pra mencionar alguns trabalhos mais badalados que vieram na memória sem esforço. “Sessão da Tarde” não deve nada a eles, pelo contrário, é melhor que muito medalhão contido nessa lista.

 

 

Léo Jaime era um nome em ascensão no início dos anos 1980. Integrara o sensacional combo João Penca e Seus Miquinhos Amestrados e estava em carreira solo desde 1983, quando lançou sua estreia, “Phodas-C”, que soava como um desdobramento do seu antigo grupo, investindo no bom humor juvenil e na revisão de alguns standards da canção pop sessentista, mas dentro de uma lógica em que a sacanagem era parte importante da concepção artística. O melhor exemplo disso é “Sônia”, versão de “Sunny”, canção que fora sucesso na voz de centenas de artistas nas décadas anteriores, de Dusty Springfield a Stevie Wonder. Os versos “Sônia, não arma a tenda agora, nós já vamos embora” ou “Sônia, sempre que eu te vejo, eu não durmo/Sônia, e é por você que eu me masturbo” dão o tom da ótima brincadeira engendrada por Léo. Uma olhada no encarte do álbum também aponta para um artista que não se levava a sério – no melhor sentido que esta expressão pode ter – com fotos dele de sunga e quepe de marinheiro, dentro do clima do título, que aludia à Companhia de Navios Costa Crociere, chamada na época de “Linea-C”, pois acrescentava a letra “C” a todos os seus transatlânticos de luxo. Sendo assim, o “Phodas-C”, além de ser um desses barcos, também promovia um belíssimo trocadilho.

 

 

Por trás dessa imagem bem humorada estava um artista cheio de qualidades. Léo compunha, tocava guitarra, tinha boa voz e ótima presença de palco, além de acenar com uma certa continuidade rocker estilizada em relação à Jovem Guarda. Além disso e de seu tempo com os Miquinhos, Léo integrara as classes de teatro de Perfeito Fortuna – idealizador do Circo Voador – e indicara Cazuza para ser vocalista do Barão Vermelho após declinar do convite inicialmente feito a ele. Ou seja, não era um aventureiro qualquer. Com o sucesso mediano, porém sólido, de “Phodas-C”, ele se viu com liberdade artística e força suficientes para criar um trabalho bem mais robusto, o nosso querido “Sessão da Tarde”. Como o início dos anos 1980 também marcou um tempo de produção cinematográfica nacional, dá pra dizer que Léo também esteve envolvido nesta seara, em dois momentos importantes: “As Sete Vampiras”, de Ivan Cardoso e “Rock Estrela”, de Lael Rodrigues, ambos gravados e produzidos entre 1984 e 1985. Léo atuou no primeiro e compôs a faixa-título, que puxou o sucesso de “Sessão da Tarde”, como seu primeiro single. Do segundo, ele assinou também a ótima – e subestimadíssima – faixa-titulo. Léo ainda compôs “Johnny Love”, faixa gravada pelo grupo paulistano Metrô, que inspiraria filme homônimo a ser lançado em 1987, com Mauricio Mattar no papel-título.

 

 

Com estas credenciais, Léo escreveu as canções de “Sessão da Tarde” e arregimentou amigos como Paralamas do Sucesso para tocar em “Solange”, versão de “So Lonely”, do The Police, em “homenagem” a Solange Hernadez, que chefiou a Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), entre 1981 e 1984. Kid Abelha e Abóboras Selvagens dividiram a gravação da irresistível “Fórmula do Amor”, um dos grandes sucessos daquela década. João Penca e Miquinhos Amestrados forneceram arranjos vocais para várias faixas, sem falar que a maravilhosa “Só” é um dos grandes momentos dos backing vocals do rock nacional. Fora isso, Léo Jaime encarnou um personagem arquetípico – o rapaz pobre que tenta namorar uma menina rica. Esta ideia, ainda que esteja materializada em “O Pobre”, parceria de Léo com Herbert Vianna, perpassa por todas as canções de “Sessão da Tarde”, que ainda contava com as guitarras de Sérgio Serra, que assumiria o posto no Ultraje A Rigor alguns meses depois.

 

 

O repertório de “Sessão da Tarde” tem pinta de coletânea de hits. Além das canções mencionadas, o álbum ainda trazia outros hits menores, como “A Vida Não Presta” (com o singelo verso “Você tem amigos à beça e eu só tenho o Zé”) e a própria “Rock Estrela”, que foi lançada como compacto na época, mas que saiu das mesmas sessões de gravação e mantinha a mesma pegada vigorosa do álbum. Aliás, a sonoridade que Léo Jaime exibe em “Sessão” é absolutamente bem feita, dinâmica e muito antenada com o que havia de mais moderno disponível por aqui na época. Na produção, o poderoso Mariozinho Rocha, que já pilotara álbuns de gente distinta como Milton Nascimento, Som Imaginário, Lô Borges, Beto Guedes, Ivan Lins, Paulinho da Viola, Simone, Nana Caymmi, Gonzaguinha, Blitz, Gal Costa e o grupo Roupa Nova e que, a partir de 1989, indo até 2016, seria o diretor musical da Rede Globo.

 

 

Léo divulgou as canções de “Sessão da Tarde” à exaustão e se tornou um caso exemplar de artista com origens rock a atingir em cheio as camadas mais populares do público. Ele foi um habituê de programas de auditório como Cassino do Chacrinha e Clube do Bolinha, sempre com performances teatrais e bacanas. Em 1986, ele lançaria um terceiro – e muito bom – álbum, chamado “Vida Difícil”, que também forneceria hits massivos, como “Amor” e “Nada Mudou”, mas já numa rotação menos intensa, marcando um processo que atravessaria os trabalhos seguintes, “Direto do Meu Coração Pro Seu” (1988) e “Avenida das Desilusões” (1989). É bom lembrar que a produção de Léo Jaime entre “Sessão da Tarde” e “Avenida das Desilusões” contém várias canções excelentes, muito além dos hits, com detalhes interessantes, disponíveis nas plataformas de streaming como faixas-bônus, caso da bela cover de “A Lua e Eu” (Cassiano), presente em “Vida Difícil” e o sensacional samba-rock “Quase/Ligia”, que tem versos do clássico de Tom Jobim e Chico Buarque. Sem falar na inclusão de “Conquistador Barato”, faixa tema da novela “Bambolê”.

 

 

Léo Jaime é pop, bem humorado e muito talentoso. Seus álbuns são bem menos valorizados do que deveriam. Que seja feita uma reavaliação artística deles logo. A gente dá este pontapé inicial com “Sessão da Tarde”, a nosso ver, seu melhor momento.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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