Thiago Pethit – Mal dos Trópicos (Queda e Ascensão de Orfeu da Consolação)

Gênero: Rock Alternativo
Duração: 29 min.
Faixas: 9
Produção: Diogo Strausz
Gravadora: Independente

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

Thiago Pethit chega com disco novo depois de quatro anos. “Mal dos Trópicos (Queda e Ascensão de Orfeu da Consolação)” é também seu quarto trabalho e mostra uma vontade realizada de levar adiante o que se costumava chamar de “disco conceitual”. O álbum, produzido e arranjado por Diogo Strausz, é mais um trabalho – dentre os muitos realizados no país nos últimos dois, três anos – que radiografa a decadência que o país vive em todos os campos – das relações humanas às questões políticas, sejam elas nos planos pessoal ou partidário. Pethit se vale de referências mitológicas e musicais diversas para erguer um painel interessante sobre este tempo.

Apensar das referências, “Mal dos Trópicos” é econômico em sua duração, evitando a perda de tempo e foco com mais delongas. Pethit, que também é ator, tem muita facilidade de encarnar uma versão século 21 e paulistana do mito de Orfeu, por sua vez, revisitada em “Orfeu da Conceição”, devidamente transportada para a selva de concreto que é São Paulo, esta mistura estranha de progresso, regresso, liberdade e encarceramento moral em parâmetros nunca claros. Os lugares são reais: a Praça da República e o Edifício Copan, se tornam cenários para Pethit se tornar aqui o Orfeu da Consolação, urbano, regressando de sua temporada no inferno para um Brasil em que a situação está como está. O que poderia ser uma jornada por lugares fantásticos e impensáveis, acaba tornando-se real por conta dos eventos inacreditáveis que têm marcado a vida do país de 2016 para cá.

De nada adiantaria conceito e ideia se Pethit não entregasse boas canções. A primeira impressão que o disco dá é que estamos ouvindo algo de Rufus Wainwright, com acenos a um jazz estilizado, misturado com modernidade eletrônica noventista, cordas, metais e um monte de referências bacanas. A partir daí, saltam aos ouvidos boas canções como “Rio” – uma não-bossa, “Teu Homem”, a assombrosa “Noite Vazia”, cheia de batidas herdadas do trip hop britânico dos anos 1990, com achados poéticos belos como “eu sou a cobra, sou a medusa que transforma em pedra o coração de quem apenas me quer”. Em meio ao cenário opressor, Pethit diagnostica um mal em comum: o abandono. “Me Destrói” é canção que fala, sobre o assunto e analisa suas dimensões – pessoal, coletiva – e mostra o quanto sua incidência leva ao sofrimento.

O fecho se dá com “Mal dos Trópicos”, um olhar sobre o nosso paradoxo existencial dual, trazendo felicidade/tristeza, amor/ódio, justiça/impunidade, tristeza/carnaval, abusando do uso da percussão do samba, evocando memórias de festa e tradição, fazendo o passado voltar ao presente como forma de entendê-lo. Em meio à batucada fora de lugar que se instaura, surge o verso: “o Brasil precisa de bacantes”. O fecho vem com a belíssima versão instrumental, rebatizada de “Samba de Orfeu (Mal dos Trópicos”, na qual é possível perceber com mais atenção a beleza do arranjo e o brilho do contraste entre cordas, metais e a percussão sambista.

Thiago Pethit muda de prateleira com este disco. Chega a um nível de maturidade que o posiciona como um dos artistas com capacidade para transcender o discurso puro e simples e ser valorizado no âmbito musical. Uma beleza de disco.

Ouça primeiro: “Teu Homem”

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “Thiago Pethit – Mal dos Trópicos (Queda e Ascensão de Orfeu da Consolação)

  • 21 de março de 2019 em 15:40
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    O correto seria: “O Brasil precisa de Bacantes” – e não candice. É assim que ta na letra publicada no youtube do Thiago.

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    • 21 de março de 2019 em 16:14
      Permalink

      Eita, obrigado, Augusto. Não tive tempo de ir no youtube e fiz de ouvido mesmo. Estava estranho, mas podia ser uma licença poética, né? Vou corrigir. Obrigado.

      Resposta

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