Natura Musical Investe nas Mulheres
A cantora paulista Mariana Aydar está retornando ao disco. Quer dizer, aos EP’s. Este é seu plano para 2019: lançar quatro EP’s que somarão doze faixas sob o nome “Veia Nordestina”. Quem conhece a carreira da cantora sabe bem que a música nordestina, especialmente o forró e a música baiana, fazem parte determinante de seu DNA. Talvez agora, com “Veia Nordestina”, seja o momento em que ela assumirá completamente estas influências, fazendo um trabalho no qual estará imersa nos gêneros. Contemplada no edital de 2018 do projeto Natura Musical, ela vem com tudo.
Engana-se porém, quem pensa que os EP’s serão meros exercícios de estilo. Mariana sabe que os ritmos e influências são voláteis e se retroalimentam. Não é seu feitio reproduzir estéticas de outros tempos, portanto, as faixas que integram o primeiro EP da série, já disponível nos serviços de streaming, fazem uma ponte interessante entre presente e futuro. As canções são curtas – totalizam menos de oito minutos – e fluem facilmente diante dos nossos olhos/ouvidos. A faixa-título é como uma câmara de descompressão e um cartão de visitas: após uma introdução lenta, pincelada por acordeon, Mariana engata uma batida totalmente moderna, subindo a velocidade da gravação, misturando trap, hip hop e folclore, tudo com coerência e harmonia.
Em seguida temos “Se Pendura”, que poderia sonorizar o carnaval baiano do ano que vem sem qualquer problema. A faixa tem batida hipnótica, refrão infeccioso, letra maliciosa na medida e busca – com êxito – uma conexão com a música africana contemporânea, mantendo vivo o Atlântico Negro do qual fala Paul Gilroy. Tudo faz sentido, até que chega a terceira canção, a ótima “Forró do ET”, que conta com participação de Elba Ramalho, mostrando – como se fosse preciso – que Mariana é representante digna das tradições nordestinas. O que aparece aqui, no entanto, é o moderníssimo Nordeste, que vai além do estereótipo, que se conecta com o mundo, que tem tradições para trocar, que oferece muito mais do que lugares bonitos para serem visitados nas férias. Mariana sabe que este Nordeste é uma entidade pensante e que merece respeito.
A Natura Musical está com uma especial fornada de artistas mulheres para este ano. A ideia é equilibrar o jogo do cenário musical, eminentemente masculino. Como é um programa diverso e de âmbito nacional, o projeto contempla gente de várias tendências, novas, conhecidas, revolucionárias, tradicionalistas, mas, sempre, com algo interessante a dizer, mantendo possível a renovação da música brasileira que importa, mantendo-a viva.
Vejam que beleza de lista de outras artistas mulheres que devem mostrar seus trabalhos ao longo de 2019:
Bruna Mendez (GO)
A jovem goiana não tem medo de experimentar em seu processo de criação. Para o segundo álbum, Bruna se distancia da sonoridade orgânica que imprimiu em sua obra de estreia e, dessa vez, diz que testará o limite do pop e do eletrônico. Seu novo disco terá parcerias Adriano Cintra e Tuyo.
Elisa de Sena (MG)
Elisa de Sena é porta-voz da luta das mulheres negras. Em 15 anos de trajetória, fez parte de projetos como o Bloco Kilombola e o grupo Dingoma. Agora, ela inicia carreira solo com o lançamento do seu primeiro álbum. O trabalho terá forte presença dos tambores mineiros e batidas eletrônicas.
Guitarrada das Manas (PA)
A dupla formada pelas multi-instrumentistas Beatriz Santos e Renata Beckmann é símbolo de representatividade na cena musical amazônica, porque explora um ritmo comumente personificado por homens. O primeiro disco mergulhará no experimentalismo instrumental aliado a sonoridade regional da Amazônia.
Luiza Lian (SP)
O terceiro trabalho da paulistana esteve nas principais listas de Melhores Álbuns de 2018. Ancestralidade e religiões de matrizes africanas são alguns dos temas presentes em “Azul Moderno”. Em 2019, a cantora vai levar seu show para cinco capitais brasileiras e lançará uma performance audiovisual.
Margareth Menezes (BA)
Margareth Menezes é símbolo da música negra brasileira. Há dez anos longe dos estúdios, a cantora promete um álbum de inéditas com Carlinhos Brown e Alê Siqueira. As canções vão retratar a mulher negra, guerreira e nordestina, moderna e urbana, e seus questionamentos amorosos.
Projeto Concha (RS)
O coletivo Agulha tem tecido uma rede de apoio entre mulheres artistas com o projeto Concha. O evento é mensal e já recebeu Luedji Luna e Saskia, por exemplo. Concha vai continuar agitando os shows e se lança em duas frentes: residências artísticas e oficinas técnicas para que mais mulheres ocupem a área de produção musical.
Rock de Mulher Circuito (RN)
A busca pela representatividade foi o que impulsionou Simona Talma a realizar eventos com predominância feminina como o Rock de Mulher, em Natal (RN). O coletivo ampliará sua atuação com oficinas e debates em Natal, Recife e João Pessoa, além de shows liderados por vozes femininas.
Saskia (RS)
Saskia vem para representar a força da mulher negra e periférica, com uma música potente e ativista. Em 2019, ela quer expandir sua carreira com o lançamento do primeiro álbum, produzido por Ava Rocha e Negro Leo. Além disso, a cantora prepara um clipe e shows de lançamento em quatro capitais.
Souto MC (SP)
A rapper paulista começou no samba, mas foi no hip hop que encontrou seu lugar na música. Ela quer desconstruir padrões e mostrar que o rap pode ser feito por mulheres. Souto MC se prepara para lançar seu primeiro álbum, no qual abordará o a importância do legado da cultura indígena no Brasil.
Tássia Reis (SP)
Com “No Seu Radinho” e “Meu Rapjazz”, canções do seu EP homônimo, a cantora ganhou destaque na cena musical e não parou mais! Em suas músicas, a rapper paulista questiona padrões e celebra o empoderamento da mulher. Neste ano, Tássia gravará o terceiro disco e promete letras fortes amor próprio e reencontros.
Virgínia Rodrigues (BA)
O canto de Virgínia transita entre o popular e o erudito. A baiana é uma das cantoras mais respeitadas no circuito de festivais internacionais de jazz e world music. No palco, Virgínia fala de seu povo e de sua religião para o mundo. Para continuar essa jornada, a cantora gravará seu sexto álbum, acompanhado de um documentário.
Keila Gentil (PA)
Keila quer mostrar para o Brasil o pop da periferia. A paraense já integrou a Gang do Eletro e agora segue em carreira solo. Em 2019, ela gravará seu primeiro álbum, que mistura gêneros como tecnobrega, cumbia e afrorap. primeiro single nomeado “Vai Tremer” dá um spoiler do que Gentil exibirá em sua nova fase.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.