Superchunk e o espírito do tempo

 

 

Superchunk – Wild Loneliness

Gênero: Rock alternativo

Duração: 38:34 min
Faixas: 10
Produção: Superchunk
Gravadora: Merge

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

Poucas bandas me lembram mais os anos 1990 que o Superchunk. No meu caso pessoal, misturo a imagem desse simpático quarteto de Chappel Hill, Carolina do Norte, ao meu tempo na redação da querida revista Rock Press. Por algum motivo desconhecido, havia lá uma cópia do ótimo álbum “Here’s Where The Strings Come In”, lançado em 1995, que era executada de tempos em tempos. Eu, iniciando no ofício de escrever sobre música e curioso pelas sonoridades que rolavam além do óbvio, me encantei com o disquinho. Mais tarde, no início dos anos 2000, pingaram por aqui versões nacionais de dois discos do SC, “Come Pick Me Up” (1999) e “Here’s To Shutting Up”, lançados, respectivamente, em 1999 e 2001. A equação sonora do grupo permanecia a mesma de anos antes – canções pop doces e perfeitinhas devidamente encorpadas por guitarras distorcidas. Essa fórmula variava mais para a melodia ou mais para o peso de acordo com a vontade dos sujeitos, especialmente de Mac McCaughan, o guitarrista, vocalista e letrista-cérebro do Superchunk. Como o tempo, percebi que os caras encontraram uma fórmula mágica de manutenção da banda em meio ao mercado selvagem – criando o prestigioso selo/gravadora Merge, gravando a si mesmos e abrindo espaço para outras bandas ao longo dos anos. Tudo isso me veio à mente quando me deparei com este ótimo novo trabalho, “Wild Loneliness”.

 

Está tudo lá – a voz peculiar de Mac, a argamassa alternative rock noventista criada pelos fiéis Laura Ballance (baixo e vocais), Jon Wurster (bateria) e Jim Wilbur (guitarras), que sustenta e sobre a qual é erguido este painel sonoro que pouco muda com o passar do tempo. O álbum anterior “What A Time To Be Alive” (2018), era mais seco e pesado, espelhando a perplexidade do grupo com a chegada de donald trump ao poder e seus desmandos. Sendo assim, o clima com “Wild Loneliness” é bem mais afetuoso e brando, mas nunca resvalando para o relaxamento. Todas as faixas são exemplos de variações sobre o modelo mais afetuoso de rock alternativo americano noventista, com pitadas de metais aqui, cordas acolá, vocais doces do outro lado, enfim, todo um arsenal que faz o resultado final variar entre 10000 Maniacs e Teenage Fanclub, com as devidas ressalvas para os vocais de Mac, dotados de um timbre todo próprio e inconfundível. E quando você se dá conta, os quase quarenta minutos de duração das dez faixas se passaram voando e você se vê querendo mais, logo retornando ao início. É a sensação padrão para os grandes discos, ou, mais apropriadamente, para os pequenos grandes discos de rock.

 

Porque ninguém aqui está pretendendo soar bombástico ou inovador. O Superchunk tem uma fórmula, já dissemos, não parece capaz ou interessado em modificá-la demais nesta altura do baile. Mas a sensação que aproxima as impressões do rock doce de gente como Teenage Fanclub, por exemplo, se explica um pouco além do espírito dos arranjos e composições. Os próprios Teenagers Raymond McGinley e Norman Blake estão presentes no álbum, encorpando o vocal de apoio de “Endless Summer”, um dos singles do álbum. A própria canção, com seu título bandeiroso, se encaixa num padrão que poderia ser de um disco recente do TFC, o que me parece um elogio indubitável para ela. Além deles, também há a presença de Tracyanne Campbell (Camera Obscura), Sharon Von Etten, Andy Stack (do Wye Oak) e Mike Mills ex-REM, entre os participantes especiais do álbum. Ou seja, é um time de gente que acena com possibilidades infinitas para encrocantar o som já ótimo do SC. E isso acontece em vários momentos.

 

“This Night”, por exemplo, tem naipes de cordas e uma dinâmica tão leve e fluida que dá vontade de você abrir a janela e cumprimentar os seus vizinhos. A faixa-título é tipicamente Superchunk, com uma levada rapidinha, permeada por guitarra distorcida na base, que se transforma em violão-guitarra, de um jeito natural. A letra é sobre autodescoberta e entendimento da passagem do tempo, num arranjo que ganha um solo de saxofone arrasador e inesperado, levando o ouvinte para outro lugar. “Connection” é outro exemplo dessa dinâmica típica do Superchunk, com um pouco menos de velocidade no arranjo, investindo naquela fronteira entre o folk rock mais tradicional e o arcabouço alternativo noventista americano, com ótimo resultado. “On The Floor” é outro brinco de ouro da princesa, lembrando muito alguma canção mais simples do REM noventista, com fluência e conhecimento de causa em termos de refrão grudento. E “Highly Suspect” é outra lindeza, com ótima presença da bateria de Wurster e um naipe de metais que evoca o 10000 Maniacs fase “Blind Man’s Zoo”, do início dos anos 1990. Uma lindeza master.

 

Mais que um disco sem sobras ou tempos perdidos, “Wild Loneliness” é uma prova da importância de bandas “médias” como o Superchunk. Afinal de contas, em pleno capitalismo neoliberal, existir num mercado feroz como o disco desde 1990, não é pra qualquer um. Ouça esta lindeza e ache mais beleza por aí. Estamos precisando.

 

Ouça primeiro: “Wild Loneliness”, “Connection”, “This Night”, “On The Floor”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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