“Spencer” é arrebatador

 

 

Se você está esperando um filme sobre os desentendimentos da Princesa Diana com a Família Real nos estertores de seu casamento com o Príncipe Charles, “Spencer” não é para você. Agora, se você deseja ver uma produção sobre os problemas psicológicos possíveis, inseridos numa narrativa quase impressionista, você estará no lugar certo. O cineasta chileno Pablo Larraín, também responsável por “Jackie”, lançado em 2016, consegue transportar o espectador para uma possível interpretação da mente de Diana em seu último natal em Sandringham House, a residência de inverno dos Windsors. Lá, durante três dias, ela se viu submetida – mais uma vez – a toda uma sorte de regulamentos obtusos, tradições sem sentido e, mais que tudo, ao quase insuportável convívio com a família de seu marido. Se não fosse pela presença dos filhos, William e Harry, ainda crianças e alguns empregados, Diana estaria absolutamente só, entregue a monstros de diferentes tipos e tamanhos.

 

É esta a premissa de Larraín ao filmar “Spencer”. Diana vai para um período de três dias em que estará assombrada por pessoas com as quais não tem mais – ou nunca chegou a ter – qualquer conexão. Não há nem as amenidades de praxe, uma vez que ela tenta evitar todo tipo de contato. Os momentos de interação entre ela e a Família Real são raríssimos, o que leva tudo para um plano em que as ações parecem subtendidas ou mesmo temidas pela Princesa de Gales. Vozes, batidas na porta, horários a cumprir, vestes específicas para cada momento do dia e da noite, tudo é um pesadelo para ela. As próprias locações de Sandringham House, um palácio situado em Norfolk em meio ao inverno, com vastas planícies pontuadas por vegetação queimada pelo frio, é ideal para compor o visual de filme de terror em lugar afastado da civilização. Larraín não abre mão de mostrar o modus operandi da casa, especialmente a cozinha e parte da criadagem, com destaque para o mordomo-chefe, o Major Alistar Gregory (vivido pelo ótimo Timothy Spall) e a aia Maggie (a estupenda Sally Hawkins), jogando luz sobre como estes personagens secundários assumem papéis preponderantes na narrativa, uma vez que é com eles que Diana vai interagir mais. Para o bem e para o mal.

 

Kristen Stewart vive a Princesa de Gales e sua atuação é impactante. Para quem ainda pensa que ela é apenas “a menina que fez Crepúsculo”, é bom saber que Kristen cresceu como atriz e dá conta do recado lindamente. Sua Diana é um misto de tristeza profunda com uma personalidade fragilizada, a poucos instantes de se entregar à loucura total. Suas falas e sua caracterização estão muito bem feitas e, ainda que ela não se pareça com a Princesa de Gales, é inegável que as tomadas que a mostram em mais distância, caracterizada com vestidos e terninhos, são muito convincentes. A interação dela com o marido, Charles (Jack Farthing) é protocolar e significa a exposição momentos de opressão, no qual o homem/marido, não consegue – ou não quer – abrir mão das tradições e dos papéis que um monarca tem que desempenhar perante o país para assumir as responsabilidades de marido. Ou seja, Diana não tem nele absolutamente nada, nem amparo, nem compreensão, apenas a confirmação de que está irremediavelmente só.

 

A sequência em que Diana se manifesta negativamente em relação à caçada dos faisões pelos integrantes da Família Real, especialmente sobre a presença de seus filhos nela, é muito simbólica de suas opiniões e postura sobre as tradições e de como elas não faziam nenhum sentido para ela ou mesmo para seus filhos. A oposição entre o dever dos jovens príncipes para a nação e o papel dela como mãe, também é um ótimo argumento deixado pelo genial roteiro escrito por Steven Knight, que melhorou bastante, tendo já feito bombas como “A Garota Na Teia Da Aranha” e “Pegando Fogo”.

 

Destaque absoluto para a trilha de Jonny Greenwood, que é parte integrante da narrativa e acompanha os eventos com uma precisão total. A música desconexa, quase clássica, quase jazzística, soa desencarnada como a própria Diana, assumindo, junto a ela, uma condição estranha, porém totalmente crível, de que se está entre a vida e a morte. Impressionante.

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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