Sobre o One World Together At Home

 

 

Ontem, 18 de abril de 2020, foi um dia histórico. O grande hall dos festivais musicais beneficentes ganhou um novo integrante, o One World Together At Home. Em meio a mensagens educativas sobre a pandemia da Covid 19, artistas de várias partes do mundo se apresentaram pela Internet, num total de mais de oito horas. Sob a curadoria de Lady Gaga, as performances começaram às 15h – horário de Brasília – e foram até às 23h. A parte final, que começou às 21h, teve apresentação de Jimmy Kimmel, Stephen Colbert e Jimmy Fallon, os três maiores apresentadores de talk shows dos Estados Unidos. Muita gente apareceu e o Multishow transmitiu na íntegra.

 

Enquanto eu via as apresentações e as mensagens, pequenas e grandes reflexões passaram pela mente. Não cabia julgar técnica e performance, especialmente porque, dadas as circunstâncias – só tivemos arranjos em voz e violão/guitarra para a maioria das canções. Mesmo assim, houve variações sensacionais, como os Rolling Stones, que mandaram uma versão bela de “You Can’t Always Get What You Want” e The Killers, com um arranjo demo-tape para o sucesso “Mr. Brightside”. Mas nem é o caso de julgar este tipo de detalhe, pelo menos não nesta primeira experiência. O One World foi uma espécie de apoteose das lives, algo que se tornou muito comum na pandemia, indo do ótimo ao risível. O “festival” serviu para colocar o formato numa escala global e torná-lo uma das poucas opções disponíveis para os artistas se comunicarem com os fãs. Foi bem sucedido.

 

Em meio às apresentações, surgiam depoimentos de médicos, cientistas, governantes, empresários, vítimas recuperadas, atores, atrizes, apresentadores, todos unidos num objetivo comum, o combate ao Covid-19 em duas vias: a ajuda humanitária – em forma de doação de alimentos e medicamentos, confecção de máscaras – e o esclarecimento sobre a letalidade da pandemia, seja em mensagens para que as pessoas permaneçam em isolamento o máximo de tempo ou para que façam a higienização das mãos e objetos eventualmente expostos ao vírus.

 

Seja num aspecto, seja em outro aspecto, a maior sensação que tive ontem foi de … exclusão.

 

Talvez por conta do governo federal irresponsável e assassino, talvez por um perído especialmente lamentável para a cultura brasileira, apenas a cantora Anitta surgiu entre as atrações, numa pequena mensagem de segundos e apresentando o colombiano Juanes. Fora isso, que eu visse, o Brasil passou batido pelo evento de ontem e isso é muito, muito ruim. Nosso país caminha a passos largos para ser um dos grandes focos globais da pandemia. A subnotificação de casos e a política conflitante do governo federal em relação aos governos estaduais, bem como a irresponsabilidade do ocupante da presidência, criam o cenário ideal para o caos. Neste momento de união global, vimos artistas e mensagens de várias partes do mundo, da Noruega à África do Sul, da Nigéria à Inglaterra, da China à França. Da Colômbia à Índia. E nós? Fora a Anitta por menos de um minuto…nada. Nenhum virologista brasileiro, nenhuma autoridade do país, nenhum depoimento de iniciativa sendo tomada por aqui. NADA. NADA.

 

Dá pra culpar a organização do evento? Não. A imagem do Brasil lá fora nunca foi tão ruim. De uma potência em ascensão durante a década de 2000, o Brasil hoje é um terreno baldio, sem poder de argumentação e decisão, com seus recursos, seu parque industrial e sua política totalmente atrelada a interesses internacionais. Somos um elefante de circo, que algumas pessoas ainda vêm ver e não levam a sério. Nossa cultura tão rica está sob ingerência da nossa sociedade, tão pobre de espírito, materializada nas carreatas assassinas que pedem o fim do isolamento social. Ver as performances e as apresentações de ontem, me deu a certeza de que estamos no lado escuro do mundo. Num lugar onde se chafurda na ignorância e na desunião.

 

O Brasil atualmente é, usando uma expressão de Caetano Veloso, o cu do mundo. Ou, ainda citando o velho baiano, fora da nova ordem mundial.

 

Veja aqui as performances.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

One thought on “Sobre o One World Together At Home

  • 19 de abril de 2020 em 14:17
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    Ótimo artigo. Parabéns pela sensibilidade.

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