Sargaço Nightclub – Istmo

 

 

Gênero: Alternativo

Duração: 36 min.
Faixas: 10
Produção: Sargaço Nightclub e Sammy Barros
Gravadora: Independente
3 out of 5 stars (3 / 5)

 

Se tudo eu pudesse, eu moraria em Pernambuco, eita terra de música boa, e eu aqui não vivo só de rock gaúcho. Não posso esquecer da Bahia… então fico com a opção de qualquer lugar que seja nordeste ou norte. É que nesses dias aqui no sul, em que o inverno pega até a alma da gente, ouvir esse sotaque lá de cima, com som de sol, deixa tudo melhor. Mas não melhor que bolo de rolo, nem que um xêro, convenhamos. Então, os presentes de Pernambuco são muitos e acabei de receber um, diretamente de Recife, chamado Sargaço Nightclub, com seu disco de estreia – “Istmo”. Em um instante eu já peguei meu chapéu e corri achando que encontraria a praia, a brisa e areia tudo junto, com direito a milho verde. Só que às vezes, esse combo dito perfeito, não precisa ser a fusão de todos esses elementos (sol, areia brisa e milho verde), ele pode vir mais simples, como uma areia fofa pra caminhar. Coisas simples importam. E é assim que eu entendi a Sargaço Nightclub, o bom do simples. Formada em 2016 em Recife, a banda/duo é Marcelo Rêgo e Sophia França. Neste disco de estreia eles conseguem reunir temas universais e locais em quase 37 minutos. Vale conferir pelo que é em si.

 

“Istmo” começa com a irônica “Vamos pra rua”, que reflete justamente esse momento obscuro e sombrio que vivemos. As figuras que carregam as “verdades”, o discurso que está na boca, mas não na realidade. Ouça até os últimos segundos da faixa, onde está o carimbo da ironia. É um bom início de disco. Revelada a postura política, o trabalho segue com “Hibakusha” palavra japonesa que se refere às “vítimas da bomba”, os sobreviventes das bombas atômicas lançadas pelos EUA sobre Hiroshima e Nagasaki. Tem elementos de folk, orientais e com tempero nordestino. É uma música contra as políticas armamentistas,às guerras e mortes. Contra tudo o que estamos vivendo. “Istmo” carrega uma mistura de elementos do independente e o violão com brilho que cria uma sala para as vozes de Sophia e Marcelo conversarem. Não se engane, não, tem brilho de sol mas tb tem melancolia do fim como “Nunca Mais” que inicia conduzida pelas palavras de Sophia, que é a compositora desta faixa. “A triste libertador de te ver de longe”, a necessidade e importância do deixar ir, outro tema universal: as relações e principalmente o fim delas. E voltar a enxergar o “eu” que já não é mais “nós”,

 

Encarar o abismo de ser o que se é, as expectativas e os tombos. Quedas e voos livres. A quarta música vai crescendo em si mesma, como aquele que começa a caminhar determinado a vencer uma maratona. Mesmo sabendo das bolhas, fadiga e dores da superação dos quilômetros. Não dá pra fugir na metade da prova, o voltar também é movimento, melhor seguir. Temendo cometer erros, digo que “além do Bem e do Mal” é a faixa mais “dark” do trabalho que começa com Sol, mas lembra muito bem que é na oposição com a noite que o Sol ganha sentido. Temas atemporais como relações sempre rendem, são ótimas opções para compor. Os finais, as dores, a destruição, a morte do outro dentro de si, para poder seguir, se construir e se olhar. Tem tudo isso no disco e o mais legal é que são duas vozes, a dele e a dela. Gosto do duo dividindo os microfones. As vozes juntas são ótimas, se complementam. É um disco que tenta dar conta de muitas coisas, tem momentos intimistas como em “Distante”, tem relatos pessoais, de uma vida transformada em “Vida em Abstrato”, tem os recortes dos tempo vivido. Tem a experiencia de ser no mundo. Como disse, são assuntos universais.

 

Eu sou do time #elogiovalemais, contudo não pude deixar de pensar no álbum em sua unidade. Ele falha ao tentar colocar política, amor, intimidade, memórias em contexto, comprometendo sua coesão, tornando sua audição completa algo que desafia a concentração do ouvinte. Em “Vem pra Rua” eu senti algo que me lembrou Maglore, com a sutileza de das questões sociais e a expectativa de encarar um disco com esse norte me entusiasmou, mas não foi o que encontrei. As múltiplas temáticas ficam soltas e de certa forma não se conversam. Azulejos sem rejunte. Claro que o mundo não é feito de oitos ou oitentas, sempre tem as casas decimais, as frações, mas ali, dentro das músicas, senti a falta da liga.

 

Sargaço Nightclub consegue unir duas vozes, gaita, sax, violino, além dos “normais” baixo-guitarra-bateria e proporcionar um som que ao mesmo tempo que tem inúmeros elementos, consegue ser simples. E que bom que é simples. Istmo é um álbum que tem compromisso com ele mesmo. Comece pelo começo e depois divirta-se pulando e voltando as faixas, funciona também.

 

Ouça primeiro: “Nunca Mais”

Ariana de Oliveira

Ariana de Oliveira é canhota de esquerda, Cientista Social, estudante de Jornalismo e comunicadora da Rádio Univates FM. Sobre preferências: vai dos clássicos aos alternativos.

2 thoughts on “Sargaço Nightclub – Istmo

  • 12 de setembro de 2020 em 01:39
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    Istmo, como disse o amigo André Insurgente, esposo e companheiro de banda da talentosíssima Dani Carmesim, nossa conterrânea, tem cara de “tempo nublado”. E é verdade! Existe uma paisagem sonora: antes mesmo até de se dar o play, está estampado na capa o clima do álbum! Se engana quem pensa que no nordeste há praia, sol e bolo de rolo apenas… em Recife existe a noite, existe a acidez, existe tradição de assombrações e poetas soturnos… Manoel Bandeira e as Ruas com nomes de sentimentos (Rua da Saudade é um dos inúmeros exemplos). Uma cidade com tradição de luta política, mania de grandeza e desigualdades sociais… se o radialista antigo dizia “de Pernambuco para o mundo”, podemos ir ao Japão! E por que não também a Nietzsche, “Além do Bem e do Mal”? Istmo é versátil em musicalidade e temáticas, mas tem unidade! A sonoridade é coesa sem a obrigação de tratar de um tema único a fim de ser conceitual… é urbano, e fala muito do imaginário da cidade, que no fim das contas, tem problemas muito parecidos com os que qualquer outra cidade em outros pontos do Brasil. Nordeste não é só praia, Norte não é só Amazônia… Istmo é como muito bem citado por Marcus César na produção do release do álbum afirmou, uma mala arrumada com a variedade de itens necessários para se fazer uma travessia do lugar onde a banda começou até onde quer chegar. É uma partida na qual nos municiamos de nosso repertório original, em sua maior parte. Uma janela aberta para explorar a nossa diversidade de gêneros musicais e o nosso repertório intelectual nas letras, dentro de um universo sonoro coeso sim! Simples sim! Sem grandes pretensões conceituais unitemáticas, pois essa obrigatoriedade não existe… Assim como a de suprir expectativas geradas com a audição de uma única primeira música… na verdade, creio ser necessário se ouvir qualquer disco várias vezes antes de se ter a pretensão de entender a sua lógica, pois afinal, nos dias de hoje, quem neste país, independente da cidade ou da região onde se encontra, é capaz de fazer um trabalho de longa duração de forma independente (sem ser por gravadora nenhuma!) sem uma lógica por trás, como quem gasta azulejos numa vasta parede sem utilizar rejuntes?

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    • 12 de setembro de 2020 em 16:41
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      Marcelo, tudo bom? Obrigado por seu comentário. Temos o maior carinho por nossas resenhas, acreditamos que este tipo de texto – tão banalizado pela rapidez das redes sociais – é o meio mais confiável para se entender propostas de álbuns, filmes etc. A nossa é uma resenha detalhada, esmiúça as canções, as sonoridades, as temáticas. Eu jamais pensaria que a pessoa que escreve um texto com esta complexidade não ouviu o álbum umas boas vezes. E também, tendo em mente a sua opinião, sobre uma suposta crítica a seu disco “não ser conceitual”, me apego a uma frase que define – ou deveria definir – o mérito da banda: “Coisas simples importam.” Mas precisa ser simples, não eventualmente simplório. Acho que nosso texto foi muito respeitoso com seu trabalho, tratou um disco independente, feito no peito e na raça – sem gravadoras, aliás, quem as têm? Exceções, certo? – com atenção e nós demos espaço de destaque na nossa página inicial. Claro, a opinião expressa no texto – que é a do site – pode agradar ou não o artista, mas aí estaremos na maravilhosa tradição democrática de mantermos nossos pontos de vista, certo? Desejamos sorte para você e esperamos novos trabalhos para resenhar. Coesos ou não. 🙂

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