Rio e Niterói amam o Hoodoo Gurus

 

 

Sim, é isso mesmo. O Hoodoo Gurus, atualmente em turnê pelo Brasil, já tendo tocado em Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro, vai se apresentar na praia niteroiense de Piratininga, no próximo sábado, 22 de abril. Quer saber? Nada mais justo. A popularidade duradoura do grupo de Sidney, formado no início dos anos 1980, por estas bandas, se deve a ação de emissoras de rádio que enxergaram no público que curtia surf uma audiência com alto potencial de retorno. E, em termos de Niterói – e de Rio de Janeiro – a rádio que abraçou isso com mais convicção foi a Fluminense FM, que foi ao ar em abril de 1982, ficando muitos anos no dial, entre idas, vindas e mudanças na programação básica. Mas desde cedo e ao longo do tempo, a emissora já contava com boletins das ondas e atrações dedicadas especificamente ao público surfista de Rio e Niterói. E a ideia era, além de falar sobre o esporte e informações correlatas, tocar o que o público queria ouvir.

 

 

E aí entra uma geração particularmente legal de bandas, que eram ouvidas pelos surfistas profissionais, que competiam em lugares idílicos na época, como as praias da Austrália. Lá, devidamente entrosados nas comunidades locais, essa galera conheceu grupos como Gangajang, Spy Vs Spy, Midnight Oil, INXS, Australian Crawl e o Hoodoo Gurus, municiando emissoras como a Fluminense FM com o que havia de mais urgente em termos de música sendo ouvida lá fora. E, uma vez expostos a essas bandas, os surfistas nacionais – amadores e profissionais – , além de simpatizantes e orbitantes daquela turma, receberam esses grupos de braços abertos. É bom lembrar que, fora deste universo das pranchas, em termos de bandas australianas, apenas o Men At Work era conhecido por aqui na virada dos anos 1980, especialmente porque se tratava de uma banda pop. As formações mencionadas acima, eram orgulhosamente rock, com espectros sonoros que podiam pender mais para o punk, ou para o pós-punk, new wave, power pop. Era uma galera mais adepta das guitarras e das letras, ao contrário do saxofone que caracterizava a maioria das canções do Men At Work. Mesmo assim, isso não impediu que a banda liderada por Colin Hay também desfrutasse de um grande número de admiradores entre surfistas e “surfeiros”.

 

 

No caso do Hoodoo Gurus, a adoração era turbinada pela sensação de se gostar de uma banda de rock “de verdade”. Com carreira iniciada em 1984, o grupo, liderado pelo guitarrista e vocalista Dave Falkner, tinha aquela manha de misturar riffs musculosos de guitarra com melodias grudentas e bom senso pop. O primeiro disco, “Stoneage Romeos”, serviu para esquentar o público, que já estava querendo mais quando veio o segundo álbum, o bom “Mars Needs Guitars”, provavelmente o preferido dos fãs, cheio de hits como “Bittersweet”, “Like Wow – Wipeout” e “Death Defying”. No entanto, foi com o terceiro álbum, “Blow Your Cool”, que os fãs brasileiros se atracaram e elegeram canções como “Out That Door” e “What’s My Scene” como preferidas definitivas, a tal ponto que a própria Flu FM, que continuava a divulgar as canções da banda na programação, as escolheu para se transformarem em vinhetas especiais.

 

 

Outras canções vieram com o tempo, marcando o período em que o Hoodoo Gurus desfrutou da distribuição mundial da BMG e, posteriormente, da Universal, bem como o próprio apogeu da Fluminense FM no dial carioca. Este período compreende os álbuns mencionados acima e vai até “In Blue Cave”, de 1996. É verdade que nem tudo o que a banda fez é memorável, longe disso, mas, o Hoodoo é daquele tipo de grupo que tem baixíssima média de erros e, mesmo que suas canções não sejam perfeitas, tudo parece no lugar. Sem falar que, neste mesmo espaço de tempo, os sujeitos se saíram com pequenos clássicos como “1000 Miles Away” (do álbum “Kinky”, de 1991) e “Come Anytime” (de “Magnum Cum Louder”, de 1989). Em meados dos anos 1990, dava pra cravar que a coletânea de singles “Electric Soup”, com sua capa em que uma sopa é servida sobre uma toalha de mesa em xadrez vermelho e branco, era um dos álbuns mais vendidos, habitando estantes que iam desde a da redação da Rock Press até a estante deste que vos escreve. Em alguns casos extremos, a coletânea de sobras e lados B, “Gorilla Biscuit”, poderia fazer companhia.

 

 

Do fim dos anos 1990 para cá, o Hoodoo Gurus fez turnê mundial (passou por aqui em 1997), encerrou atividades e, pouco tempo depois, retomou a carreira. De 2004 para cá, o grupo lançou três álbuns, não muito conhecidos do público brasileiro: “Mach Schau” (2004), “Purity Of Essence” (2010, ano em que a banda retornou ao país para um show solitário em São Paulo) e o novo “Chariot Of The Gods”, lançado em 2022, que honra essa característica de baixo erro que a banda tem. Algumas canções deste álbum estão nos setlists dos shows que o Hoodoo Gurus fez no país até agora, o que é justo, mesmo que esta seja uma turnê para celebrar o conjunto da obra da banda. Dave Falkner ainda se mostra como um vocalista interessante, trazendo uma formação que ainda tem guitarrista-fundador Brad Shepard, o baixista Richard Grossman e o baterista Nik Rieth, que é o integrante mais recente, tendo entrado no HG em 2015.

 

 

 

 

Show do Hoodoo Gurus em Piratininga, com banda e público se reencontrando – ou se vendo pela primeira vez – depois de tanto tempo? Vale.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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